segunda-feira, 2 de março de 2009

Em silêncio


"Saudades! Sim... talvez... e porque não?...
Se o nosso sonho foi tão alto e forte
Que bem pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-me de luz o coração!

Esquecer! Para quê?... Ah! como é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como pão!

Quantas vezes, Amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar,
Mais doidamente me lembrar de ti!

E quem dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais a saudade andasse presa a mim!"


Florbela Espanca

A minha tia Rosinda morreu ontem. Olho para o teclado do meu computador porque queria escrever qualquer coisa sobre ela, uma homenagem, um texto que pudesse dizer a falta que vou sentir dela. Mas a verdade é que só mesmo o silêncio me convém. O silêncio para que me lembre da sua voz a declamar Florbela Espanca enquanto cozinhava. O silêncio para poder escutar a sua gargalhada quando contava histórias antigas da família. O silêncio para poder ouvir a sua forma romântica de falar das coisas mais vulgares como os amores e desamores das princesas europeias.
A minha tia Rosinda era uma mulher única. Lia poesia com o mesmo fervor com que discutia as revistas do social. Falava de História com a mesma paixão com que preparava as mais extraordinárias refeições para toda a família. Era uma chefe de clã. Motivava-nos, mimava-nos, repreendia-nos. Tratava-nos a todos como se fossemos seus filhos. E quando estávamos juntos, entre almoços, chás, jantares e ceias, descobríamos que éramos todos do mesmo sangue ainda que fossemos de sangues diferentes.
A minha tia Rosinda, casada com o irmão mais velho do meu pai, o meu tio Zé, foi a minha primeira avó. Com ela aprendi que devemos seguir sempre os nossos sonhos, por mais disparatados que nos pareçam. Aprendi que amar é uma luta diária mas que diariamente vale a pena. Aprendi que os amores só são impossíveis se desistirmos de os viver.
O peso da sua ausência é intransponível. Voltar à Quinta das Mimosas sem a sua presença é enfrentar um silêncio terrível. A sua morte, ontem, representa o fim de um ciclo feliz. Se há três meses a morte da minha avó Maria do Carmo foi um duro golpe, a morte da minha tia Rosinda, ontem, representa o fim da minha infância. A partir de hoje espero tudo. Porque o seu sorriso quando nos encontrávamos representava a pureza dos anos em que fui mais feliz. E esse sorriso será em silêncio que o recordarei. Para sempre.

Sem comentários:

Enviar um comentário