quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

"Em defesa de Bento XVI" de Bernard Henri-Lévy

Artigo publicado em ionline


Logo que Bento XVI foi eleito, os media começaram a acusá-lo de "conservador" e continuaram numa espiral imparável, como se um Papa pudesse não ser conservador. Houve umas tantas insinuações excessivas, senão mesmo anedóticas, acerca do "Papa alemão", um "pós-nazi" de sotaina. Em França, o programa televisivo satírico "Les guignols de l'info" [equivalente ao "Contra-informação"] deu-lhe descaradamente a alcunha de "Adolf II" (e isso porque, como qualquer criança ou adolescente na Alemanha da época, ele estava inscrito na organização da juventude do regime).

Vários textos foram, pura e simplesmente, deturpados. Relativamente à viagem que fez a Auschwitz em 2006, por exemplo, afirmou-se que o Papa homenageou os 6 milhões de polacos mortos, sem ter mencionado que metade eram judeus. Também se repetiu vezes sem conta que se referiu aos mortos como vítimas de um mero "bando de criminosos". Esta falsidade é francamente espantosa, se levarmos em conta que, nesse mesmo dia, Bento XVI falou claramente da tentativa das "chefias do Terceiro Reich" de "esmagarem todo o povo judeu, de o eliminarem da população do planeta".

No entanto, com a recente visita do Papa à sinagoga de Roma, depois de ter visitado outras sinagogas, em Colónia e Nova Iorque, o coro de desinformação atingiu o auge. Mal puderam esperar que ele atravessasse o Tibre para anunciarem, Urbi et orbi, que não conseguira encontrar as palavras certas, não fizera os gestos adequados e, em suma, se estampara ao comprido. Permita-me que esclareça cabalmente certas coisas. Quando Bento XVI curvou a cabeça em silêncio perante a coroa de rosas vermelhas colocada junto da placa que celebra o martírio de 1021 judeus romanos deportados, estava apenas a cumprir o seu dever. Mas o que é facto é que o fez.

Quando Bento XVI prestou homenagem aos "homens, mulheres e crianças" arrebanhados no âmbito do projecto de "extermínio do povo da Aliança de Moisés", estava a afirmar o óbvio, mas afirmou-o.

Há uma década, quando Bento XVI reiterou os termos da oração de João Paulo II junto ao Muro das Lamentações, pedindo "perdão" ao povo judaico, de longa data sujeito a pogrons inspirados por um furor anti-semita que era de natureza essencialmente católica, usou as palavras exactas de João Paulo II. Está na altura de pararmos de repetir, quais burros que zurram, que ele não vai tão longe como o seu predecessor.

Quando Bento XVI esteve diante da inscrição que comemora o ataque de 1982 perpetrado por extremistas palestinianos em Roma, manifestou a intenção de "aprofundar" e "desenvolver" um "debate entre iguais" com os judeus. O Papa declarou que o diálogo entre judeus e católicos, iniciado com o concílio Vaticano II, é agora "irrevogável". Podemos acusá-lo de muitas coisas, mas não de "congelar" o processo começado por João XXIII.

Quanto à questão de Pio XII...

Se for necessário, voltarei a abordar a questão muito complexa de Pio XII.

Voltarei a recapitular o caso de Rolf Hochhuth, autor do famoso livro de 1963 "The Deputy", que está na génese da polémica sobre os "silêncios de Pio XII".

E voltarei a abordar o facto específico de que esse justiceiro inflamado tem sido repetidamente condenado por negar a existência do Holocausto; de ter recentemente defendido David Irving; e de há apenas cinco anos, numa entrevista ao semanário de extrema-direita "Die Junge Freiheit", ter negado a existência das câmaras de gás.

Por enquanto, porém, gostaria apenas de relembrar que, em 1937, quando era ainda o cardeal Pacelli, o terrível Pio XII foi co-autor da encíclica "Mit brennender Sorge" (Com profunda preocupação), que ainda hoje continua a ser um dos manifestos antinazis mais firmes e eloquentes.

Por ora, o nosso dever para com a história obriga-nos a realçar que Pio XII abriu secretamente os seus conventos aos judeus romanos perseguidos pelos fascistas. O silencioso Pio XII também proferiu uma série de discursos radiofónicos - relevantes para este caso são as emissões de Natal de 1941 e 1942. Depois da sua morte, esses discursos granjearam-lhe os elogios da líder israelita Golda Meir, que conhecia o valor da palavra e não receava declarar que "durante dez anos de terror nazi, enquanto o nosso povo sofria uma terrível agonia, o Papa levantou a voz para condenar os carrascos".

O Holocausto ecoou em todo o mundo, e contudo nós colocamos sobre os ombros de um soberano que não dispunha de canhões nem de aviões todo o peso da responsabilidade pelo silêncio ensurdecedor.

Jornalista

2 comentários:

  1. Tenho pena de não comungar da mesma opinião sobre Bento XVI, e mais ainda de Pio XII.
    o Papa da minha vida foi João XXIII e talvez tivesse sido João Paulo I, se o tivessem deixado...

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  2. Não será despiciendo lembrar também que Eugenio Pacelli, futuro Papa Pio XII, fora também Núncio em Berlim durante a ascensão do Nazismo...
    Não sei se o Papa Pacelli poderia ter feito muito mais do que fez, mas ajudaria ao esclarecimento cabal da questão que fossem "libertados" os documentos do Vaticano relativos ao pontificado e à matéria em causa que ainda não foram disponibilizados. Seria um caminho para que avaliassemos todos, historiadores e público em geral, todas as dimensões do caso.

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