terça-feira, 26 de junho de 2012

[Entre jogos ou poema estúpido] *




(Versión en español en los comentarios)


Não sei.
Digo eu.
Seria interessante ver
se os vencedores se situassem na pele da derrota
e os derrotados nas enciclopédias da vitória.
O jogo decide a vida se se estiver disposto a ganhar
tristezas.
Alma lusa palpita em mim,
vencedor sou desde que nasci,
para além de resultados em quatro linhas.
O mundo é redondo.




Poema escrito a pensar (e a sentir) o facto de estar a viver em Madrid e que, ouvi dizer, amanhã há um jogo "qualquer". ;)


domingo, 24 de junho de 2012

São João Baptista




São João Baptista - Caravaggio

(Versión en español en los comentarios)

Olho pela janela, vejo o horizonte rodeado dos tons de terra outrora marcada com os nossos passos. Os mesmos que espelhavam as conversas, os silêncios, as idas de povoação em povoação. Contigo. Sempre. Presente na descoberta ou já plenamente connosco em pão multiplicado e em vinho, do melhor, servido em cada boda. Era muito novo quando conheci o teu primo. Dizem-no rude, quase bruto, talvez pela força das palavras. Sem medo de as pronunciar, dizia a verdade que só pode exprimir quem rejubila sem te ver, apenas sentindo a tua presença. Bastou a escuta da voz da tua mãe e ele agitou-se nas águas internas que o amparavam. Tornou-se o último profeta do passado e o primeiro do presente. Sem problemas de identidade, passou-te pelo Jordão e apontou-te como o Cordeiro, que anularia todos os sacrifícios que fossem para além da misericórdia e serviço. A doçura do mel silvestre completava-se com a força ganha do seu silêncio calcorreando o deserto, confirmando que foi enviado a desenhar a certeza da salvação que não tardou a chegar... em ti. As suas palavras, ao jeito de espada afiada, cortavam o que não interessava. E se não cortavam, feriam os que não buscavam o melhor para si e para os outros. Lembro-me da dor que sentiste quando soubeste da sua prisão. Também recordo o que lhe mandaste dizer, confirmando-lhe o teu ser: quem não vê, abre a visão, quem não ouvia, passa a escutar... e os cativos recebem a Liberdade. Outras correntes, não de ferro, passarão a definir a comunidade... mais ampla que a morte. E João, o baptista, não ficou esquecido. Está sempre ligado a ti. Nós o testemunhamos, e o nosso testemunho é verdadeiro. 


sábado, 23 de junho de 2012

[Identidade]



Hugo Correia - Reuters

(Versión en español en los comentarios)


Identidade:
     
Terra, gestos, 
sons, letras,
mar, rostos,
[lágrima
de emoção]
relógio de sol,
em cruz delineado,
espigas descobertas
sobre o silêncio
da via campestre,
[sorriso
de memória]
bilhete trespassado
nos movimentos
da cidade,
pessoa feita homem,

[diluído na (ir)realidade
de muitos,
que dão passos,
trocando mãos,
alimentando beijos,
fortalecidos de pão]
de respiro
e saudade.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

"Uma noite com Kylián"




(Versión en español, todavía sin haber sido corregida, en los comentarios)

A noite guarda sempre mistério. Silenciosa ou espaço de festa, ruídos ou surpresas, traz a possibilidade de encontros. Uma noite com Kylián abre a porta da transcendência, não etérea, mas bastante terrena e humana. Para dar corpo a esta Noite foram escolhidas, por parte da Companía Nacional de Danza - Espanha, três coreografias de Jiri Kylián que, a meu ver, formam um ciclo. Três peças distintas, uma unidade.
Uma pessoa iluminada projecta a sua sombra sobre a tela: assim inicia Sleepless. Assiste? Vê? Estende os braços, rasgando o véu para a entrada na História que já começou. O mistério do outro lado, ao jeito de uma série de partos de novos acontecimentos, moldados pela relação de corpos: ora fogem, ora surgem, em parte e no todo que se completam ou complementam. O ritmo é frenético, quase gritante, agitando as rupturas interiores que a vida traça. Em contínuos nascimentos, a individualidade abre-se à relação e, assim, tal como nos primórdios da Criação, do caos ao cosmos, do ruído à harmonia. Poderíamos falar de transfiguração, no entanto, seria mais o peregrinar: “não há caminho, o caminho faz-se a andar”. Foi uma boa surpresa ouvir já quase no final a repetição deste verso de António Machado. A peça, a meu ver, de grande profundidade espiritual, faz pensar na identidade: própria ou de quem a busca. A saída e o retorno diário à casa, ao lar, onde no entretanto tudo acontece. O véu do templo rasga-se, sobe, desaparece, para revelar o tal outro lado. Mas há que descer do monte, continuando a fazer caminho, o caminho. No final, a porta estreita abre-se e, incansavelmente, entro de forma renovada na História...
...que, entre muitas experiência, se toca uma e outra vez a Petite Mort: segunda peça. A linearidade dos corpos, em floretes prolongada, agita o respeito ao som dos golpes. Uma mistura de subtileza, sensualidade e força na atitude de quem busca a honra, ou a liberdade ante modos de vestir carregados de Corte e festas palacianas, exclusivas para alguns. Aparecem as ondas, as modas, que mudam os cenários. O mundo é um palco, onde a exposição de quem o pisa é inevitável: daí a honra a defender. Em Petite Mort não encontro espírito, sim, a humanidade plena, quase visceral, suavemente retratada no erotismo do florete e nos negros decotes reveladores de outros desejos. Na tentativa de esconder a morte, de a evitar, no caminho que se faz ela acaba por surgir. Não será uma “pequena morte” a passagem da noite para o dia seguinte? Toda a semente tem de morrer para dar fruto novo... e a semente do amor, em êxtase vivida, não foge à bonita realidade. E na intensidade desse momento, os vestidos são abandonados, dando outro passo no percurso a fazer.
Por mais que se queira fugir, as perguntas existenciais tocam-nos à porta. Responder, ou pelo menos buscar a resposta, faz parte da essência de quem se diz pessoa. Da relação sai o encontro com Deus. Stravinsky dá o mote... ou serão os salmos? Também estes são um caminho do 1 ao 150. E é este último o mais presente no fim da Noite: Sinfonia dos salmos. Acaso? Não me parece. Da unidade conseguida nesta “trilogia”, este culminar é majestoso. Num cenário preenchido por objectos evocativos de oração, os corpos traduzem a linguagem dos repetidos louvores apresentados pelo salmo, pelo coro e instrumentos. O laudate de fundo não invalida a experiência da queda. Só pode haver verdadeiro(s) alelluia(s) depois de se passar pela(s) experiência(s) do sepulcro, nas suas muitas distintas formas: recordamos o dilúvio, o êxodo, o livro Job, o salmo 22, o salmo 50 [miserere], entre outras possíveis passagens e outros relatos. A oração ganha um outro sentido. Deixando de ser repetição mecânica de palavras, passa ao pulsar de movimentos do corpo, transforma-se em vida de quem a vive. Em meditação, reflexão ou contemplação percebe-se o abandono ao existir. Nesta História sou mais um que escreve outro sentir. Pois nesta História cada um compõe uma narrativa. O ser pode desaparecer, mas fica o registo do espaço e da memória que não deixa apagar os pilares do mundo.
Fiquei positivamente impressionado com esta Noite. Em tempos onde parece que há medo de tocar no Espírito ou no que é d’Ele, José Carlos Martínez, como director artístico da CND, evocando a grandeza de Jiri Kylián, propõe, no meu entender, uma entrada no Humano e no Divino. Como? Louvando o Senhor... com a dança, enquanto o caminho é feito a andar.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Coisas da vida...










Cartoon: Carlos Ruas

Ontem, num autocarro, em pleno centro de Madrid, tive a previsão do meu futuro. 
Uma rapariga, de língua portuguesa, comentava que estava a receber pedidos no facebook de pessoas que não conhecia e dizia (com ar muito sério):
- Olha, e estuda teologia. Todos os que estudam teologia são gente louca! 
Depois de toda a conversa (meio surreal), quando ouço isto não aguentei e depois de rir disse:
- Peço desculpa por intrometer-me na conversa, mas... parece-me que nem toda a gente que estuda teologia é maluca.
Ficam os três a olhar para mim, com ar de “fomos apanhados, ele fala português”. Ela responde:
- Bem, todas as pessoas que eu conheço e que estudam teologia são loucas.
- Hmmm, então já sei o meu futuro... Eu estudo teologia!

domingo, 10 de junho de 2012

Dia de Portugal e das Comunidades Portuguesas





Estando fora, a sensação de pertença a Portugal é ainda mais forte. Há um encanto em ser português. Mesmo na crise, mesmo no sentimento de tristeza perante muita injustiça que acontece, quando olhamos para a riqueza de alma do nosso "à beira mar plantado", há o positivo orgulho que nos faz abrir os horizontes e deixar que os "mares" e "Adamastores" de hoje não sejam uma ameaça, mas sim a possibilidade de descoberta de outras "terras" (mais interiores), transformando o "cabo das tormentas" em verdadeira esperança!