quarta-feira, 22 de maio de 2013

Bode(s) Expiatório(s)




Case & Draper


Bode expiatório. Esta expressão, ou situação, surge no livro do Levítico, um dos cinco livros que compõem a Torah ou Pentateuco. Em resumo: o sacerdote, em nome da comunidade, impunha as mãos sobre o bode e “depositava” sobre ele as falhas, ou pecados, dos israelitas. Depois deste gesto o bode era enviado ao deserto para morrer e os pecados ficavam expiados. 

Hoje em dia continuam a existir bodes expiatórios, e cada vez mais. A crise, a malfadada crise, faz com que aumentem as frustrações, com que surjam inseguranças recentes ou antigas, com que feridas não curadas venham ao de cima. Nisto tudo, como somos homens e mulheres do século XX, admitir a fragilidade, a vergonha ou o medo é de desvalorizar. Então, à primeira oportunidade descarrega-se com facilidade os dramas da existência em bodes actuais. No entanto, desaparece a figura do animal e rapidamente aparecem pessoas que ligeira e subtilmente o substituem.

Há uns meses chamava-se Pepa, com a sua carteira ou mala Chanel. Hoje chama-se Raquel Varela, com a resposta ao Martim Neves. Uma com o sonho “materialista”, a outra corta os sonhos do adolescente. Uma é fútil e não respeita o país em miséria, a outra é uma ignóbil que não dá valor ao facto de, pelo menos, haver pessoas empregadas. E assim se desenvolvem facadas laterais, onde o que se louva no meio disto tudo é a estupidez do “não parar para pensar”. Para completar, toca a enviar o “bode” às redes sociais, blogs e afins, com tudo o que é mau para que não se repita.

Vendo o vídeo completo, parece-me que a intervenção foi, de facto, pouco feliz, por demasiado rápida no contexto, mas daí até reduzir a senhora à desgraça nacional, dos “letrados” contra os “iletrados” vão passos muito grandes. Já sabemos que quem vai a esses programas tem de ter capacidade de reacção, e blá, blá, blá. Mas, absolutizar uma intervenção e respectiva resposta, não pode ser o exemplo da bruxa má ante o príncipe encantado, onde se eleva o Martim Neves a herói nacional do empreendedorismo, reduzindo a Dra. Raquel Varela à “asquerocidade” dos que não deixam viver os sonhos. O caminho passa, mais que pela agressividade e anular o outro, pela colaboração. 

Sou apologista dos sonhos, de se sonhar e pôr em prática, por adolescentes ou adultos, a criatividade em conseguir objectivos e, sejamos práticos, dinheiro para viver. Conheço bons exemplos, resultado de muita luta. Mas o perigoso mesmo é o caminho que levamos de um ataque cerrado a quem belisca algo que pode fustigar e pôr em causa os sonhos. Sonhar sim, mas com capacidade de ouvir a crítica, mesmo que seja infeliz. Se a crítica é boa, perfeito. Se é má, pois bem, ou não soube ler a realidade ou não soube escutar e seguimos para outra. Para chegar a isto, é preciso ser empreendedor, na emoção e no pensamento, da própria estrutura humana: pessoal e comunitária. 

E os bodes, sejam quais forem, deixam de fazer falta... 



4 comentários:

  1. Oh meu Deus, a Pépa quer uma mala, e então?

    Quantos de nós não queremos um ferrari ou um lamborghini?

    A rapariga tem um sonho e vai trabalhar para o conseguir, não vai matar ninguém nem roubar um banco, vai trabalhar, trabalho esse que o tem por mérito próprio, formou-se e e trabalhou muito para hoje já ter um blogue conhecido... A diferença entre ela e os que dizem mal dela é que ela vai trabalhar para o conseguir, enquanto que ou outros que também sonham com coisas um pouco mais consumistas e deixem-se esses de hipocrisias por que todos o fazemos, é que esses estão no café o dia todo a dizer mal de tudo e de todos, à espera que lhes caia um emprego do céu e não querem trabalhar e se isto não fosse verdade as pessoas de leste não estariam cá a trabalhar, estão porque os portugueses não querem trabalho, querem emprego, por isso pensem um bocadinho e vejam se faz sentido estar-se a criticar uma pessoa por ter um sonho e trabalhar para o conseguir!

    Sinceramente qual é o mal então?

    Se acham que ser um "bode" da sociedade é ter um sonho e trabalhar honestamente para o conseguir, então os Dias Loureiros e outros que tais devem ser exemplos a seguir!!

    Sonhar é bom a inveja e a cobiça são pecados!

    Em relação à outra rapariga não comento pois não conheço a história...

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    1. Hmmm, José, aconselho a ler melhor o texto. Será claro que não estou a fazer uma crítica à Pepa, mas à forma como hoje em dia se reage às situações, muitas vezes sem pensar. Já agora deixo outro que escrevi na altura, que o confirma: http://oinsecto.blogspot.com.es/2013/01/o-mundo-e-os-desejos-da-samsung-chanel.html

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  2. Susana A.13:03

    Somos elementares na nossa psicologia. Ainda há demasiada gente com tiques maniqueístas, incapaz de encontrar tonalidades entre o preto e o branco. Ou estás connosco, ou estás contra nós. São as ramificações do preconceito.

    Quanto ao último tema, está de tal forma desprovido de contexto que eu não consigo sequer formar uma opinião. Posso questionar o estilo da senhora, ao interromper uma "criança" (sim 15 anos é uma criança) que tem sonhos. Mas o que faz a vida tantas vezes, se não mostrar-nos que nem sempre os nossos sonhos são concretizáveis ou sequer razoáveis? As mesmas pessoas que a criticam agora, serão as mesmas que se revoltam quando os ministros sugerem a redução do salário mínimo? Trabalhadores explorados são-no aqui ou no Bangladesh. Criticamos a Zara ou a Mango por procurarem o lucro fácil explorando os seus funcionários no lado esquecido no mundo, e não alertamos um miúdo para os perigos que podem advir deste tipo de comércio? O saber é o que faz de nós pessoas livres, mas estas pessoas pelos vistos preferem a ignorância. Criticam a lógica economicista da sociedade actual e a ausência de valores, mas a verdade é que não lhes apetece saber qual o verdadeiro sacrifício humano implicado no lucro que este jovem está a conseguir.
    Parar para reflectir, é o que se impõe.

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    1. Susana,
      Obrigado pela achega. A irracionalidade da reacção está a crescer imenso, precisamente por não se para para reflectir nas coisas. Vive-se um constante "ataque/contra-ataque" como se vivêssemos num eterno jogo de futebol... Pois, acho que somos mais que meros jogadores.

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