terça-feira, 17 de março de 2015

Entre "terra" e mal que se infiltra




Carlos García Pozo/AP - Javier Espinosa com o filho, à chegada a Madrid


Estou a escrever sobre a importância do corpo na relação com Deus. Foco em particular S. Ireneu de Lyon e Tertuliano (ambos do séc. II): atacaram fortemente as posições gnósticas que separavam o corpo da alma, sendo, claro está, o corpo algo desprezível. Há passagens dos seus textos de grande beleza, mostrando como participamos todos da mesma “terra”, nesse sentido metafórico da criação. Paralelamente, não por estudo, mas por actualização dos acontecimentos do mundo, também vou lendo sobre o terror que continua a acontecer pelo auto-denominado Estado Islâmico. Tenho estado a ler a reportagem sobre o jornalista espanhol Javier Espinosa que esteve preso às mãos dos terroristas durante 200 dias. É assustador, monstruoso, doentio, perverso, o que fazem. Mas que tem uma coisa que ver com a outra? Isto põe-me o pensamento a mil. Somos feitos da mesma matéria biológica destes que matam segundo as suas lógicas [irracionais, diga-se]. Não, a comparação não é rápida, obviamente que há distinções, precisamente pela complexidade humana nas dimensões biológica, psicológica, social/cultural, espiritual. Não é por acaso que se desenvolve a ética humana, com o seu cariz universal. Dizer que o mal não está na terra da qual todos participamos, que para mim é desejada e amada por Deus. Na nossa complexidade de ser, o mal, como ausência de bem, infiltra-se por muitos esquemas, sobretudo na ânsia de poder e de inveja mal resolvida, algumas vezes degenerando em frustrações, onde em extremos leva novamente ao sofrimento e à morte de muitos, nesse anular de toda a possibilidade de diversidade. Como já tenho escrito é fácil ver o mal presente nas acções dos outros (e sim, claro, há que ver e denunciar), o que custa mesmo é perceber que também eu posso estar sujeito a esse mal. Daí a necessidade de vigilância: na formação [diferente de formatação] de consciência que me leve ao respeito pela diversidade humanizante; no reconhecimento que não tenho a última palavra; na fé que também liberta esquemas de opressão ora pessoais, ora de outros que posso controlar, mostrando-me a responsabilidade dos meus actos. Mas, confesso, no meio disto tudo, parafraseando Martin Luther King, continua-me a fazer confusão não o grito dos terroristas, mas o silêncio dos “bons” ou dos que podem tomar decisões à séria diante das atrocidades, de lá e de cá, que continuam a acontecer.

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