sábado, 23 de janeiro de 2016

Caminho de (re)descoberta




Sérgio Lemos

- P. Paulo, parece que toda a gente me obriga a ser feliz. Já sei que há quem possa estar pior do que eu, que há quem sofra mais do que eu, que não teria com que me queixar, essas coisas todas que me põem ainda pior. Eu acredito em Deus, rezo, mas não saio disto. 
Do rosto emanava tristeza profunda, claramente em depressão. Como não sou terapeuta, tenho muito cuidado no que digo. Pergunto sempre se está a ter algum acompanhamento especializado. O problema acontece quando são pessoas que não têm meios para este tipo de acompanhamento e lá se percebe o padre como o “psicólogo barato”. 
- E acredita em si?
- Como assim?
- Acredita que tem de fazer o caminho, mesmo que duro, de descoberta do seu lado mais sombrio e amá-lo?
- Não sou capaz. Isso é impossível!
- E se começar por dizer “é difícil”, antes de dizer “é impossível”? Cada vez somos mais marcados pela busca da perfeição em muitas situações: físicas, emocionais, profissionais, religiosas. Temos de ser imaculados. Quando, afinal, temos muitas coisas que não se gosta. Claro, tocar aí é como se estivéssemos a confirmar que “não prestamos”. Não é fácil, claro que não, mas esse caminho tem de ser feito, para amar tudo em nós, mesmo a sombra, a tristeza, o sem-sentido. É um caminho pessoal, mas tem de ser acompanhado por alguém que vai escutar sem julgar, ao mesmo tempo que vai ajudando a despertar para um novo amanhecer. 
- Isso demora muito?
- Não é uma questão de tempo, mas de vontade. E como me falou de Deus, dizer-lhe que Deus é o primeiro a acompanhar nesta viagem.
Emocionou-se.
- Eu sou alguém, não sou?
- Permita-me que lhe toque?
- Sim.
Levantei-me e coloquei a mão no ombro. 
- Vê, não consigo atravessar. Não é transparente, há solidez natural. Posso sugerir outra coisa? 
- Sim. 
- Vou colocar uma música e peço-lhe que imagine o nascer do sol. Ao mesmo tempo expanda os braços e o tronco. E fique assim, um pouco, simplesmente a respirar.

Deixei passar uns minutos e via as lágrimas a cair. O rosto ia ficando menos tenso… o longo caminho começava a ser feito.

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