quinta-feira, 16 de junho de 2016

Vida(s) em partilha




Momento da primeira Comunhão de algumas crianças, filmado por Marta e Tiago

Muitas vezes têm-me perguntado de onde vem este meu modo de ser. Em resposta rápida e limpa, seria da Relação. A seguir teria de acrescentar com quem, o que levaria a uma extensão imensa, por exemplo, de pessoas mais ou menos próximas em tempo e espaço.

Também comentam que sou diferente. Sim, sou diferente, porque tenho encontrado tantos e tantas diferentes que me inspiram. O primeiro é Cristo. Depois, muitos crentes (com destaque para inúmeros companheiros jesuítas, padres e outros imensos amigos de perto, de longe) e não crentes (em maior ou menor amizade, mas com profundo sentido de humanidade). Sou diferente, pois também, além de ter perdido o medo de conhecer-me e amar-me nas luzes e sombras, como cristão, em particular como padre, tenho tido a oportunidade de conhecer a grandeza do coração humano, quando, de livre e espontânea vontade, tantas pessoas sentem confiança em partilhar comigo as suas entranhas.

De igualmente salientar que nas minhas amizades, sérias, daquelas que se partilha profundidade de vida, há gente de muita diversidade social, cultural, nacional, política, artística, intelectual, religiosa, etc, com quem tenho tido conversas que me obrigam a ver outras perspectivas. Se venho a concordar, a discordar, a aceitar ou a tolerar os pontos de vista, é outra história, mas sei que faz parte do caminho que desejo no percurso de humanização.

Graças a estas amizades, juntando as leituras e a escuta que vou tentando fazer da realidade, vai crescendo a consciência da complexidade em que vivemos. Por isso, apercebo-me também do difícil trabalho que é compreender o outro. Isso não significa aceitar tudo, junto com o não mergulhar em generalizações em que se arruma tudo no mesmo armário, caixa, esquema, etc.. Reconheço que, como cristão, em particular como padre, sinto muitas dores de alma: por viver, sim, o jugo de uma história e actos que merecem muitos pedidos de perdão; por acompanhar vítimas de tanta estupidez e barbárie, resultado de péssimas interpretações do Evangelho, que promovem mais a condenação que a salvação; mas também por ver-me incluido em rótulos de injustiça. Claro que poderia ser muito pio e regozijar-me em estar a “ser perseguido” como diz o Evangelho. No entanto, não me regozijo, precisamente pela complexidade, em que, por exemplo, essas perseguições são também fruto de outras tantas promovidas, ao longo dos tempos, pela minha família religiosa mais ampla. Mas seria injusto da minha parte, se não mencionasse o imenso Bem, discreto e silencioso, que esta minha família, Igreja, faz por esse mundo fora, continuando em caminho de conversão e busca da entrega e serviço. Há tanta falta de clareza nesta complexidade, que tem muito pouco de neutra e está recheada de matizes, de tons e de sons. Por isso, é necessário paragem, silêncio, oração ou pensamento, escuta, reflexão, para não terminarmos todos cegos, mancos, surdos e mortos… de humanidade.

Nestes últimos dias tenho escrito, pensado e rezado sobre o ódio e sobre a força do Amor. Faz tanta falta tomar consciência do Outro, sem que tenha de partilhar imediatamente do que se pensa, diz, faz, é. Se se quer contribuir para o tal “mundo melhor”, há que sair, descentrar, abrir horizontes… pôr-me rosto-a-rosto, sem complexos de superioridade, seja mais ou menos conservador ou progressista. Há dias, Rui M Pêgo, na sua página do facebook, escrevia, em resumo, num texto viral com mais de 38 mil “likes” e mais de 4800 partilhas, para que não rezássemos por Orlando, mas que tratássemos os outros com o respeito com que gostaríamos de ser tratados. Parafraseou a milenar Regra de Ouro, transversal a todas as culturas, como algo simples. Simples, é. O desafio em torná-la prática e viva tem que ver com a exigência do reconhecimento das luzes e sombras que todos vivemos. É que isto de transformar o coração de pedra em carne é trabalho de vida, com necessidade de algo fundamental e inerente à condição humana: a relação que humaniza e transforma o modo de ser.

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