sábado, 30 de dezembro de 2017

Plantei uma árvore




Suzanne Rodrigues

[Coisas na vida de um padre] Plantei a minha primeira árvore. Tudo com tanto significado: uma oliveira, a minha árvore preferida e que tenho em nome; oferecida como lembrança do baptismo da Vitória, uma menina muito especial que desde o nascimento venceu muito; plantada a terminar o ano, em desejos de paz para o próximo, e na casa que, além da dos meus pais, é-me muito querida. A oliveira traz nova criação, em frutos que permitem a unção que leva à missão e à paz. Como padre, dou vida espiritual a muitos filhos e filhas. O livro? Fica em aberto a possibilidade. Hoje, sem grandes programações, plantei a minha primeira árvore: uma oliveira com tanto significado.

Brevíssima oração entre Natal e Passagens




Yohan Dumortier

[Brevíssima oração entre Natal e Passagens]

Agradeço-Te a liberdade de converter-me, 
de amar e de criar. 

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

É tempo




[Secção outros tons - entre Natal e Passagens] É tempo de deixar partir as horas que prenderam os sonhos. A fé conta as histórias de perguntas para além das sombras. As respostas? Perde o medo de voar e nasce de novo.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Gotas de chuva




Encontro silêncio nas gotas de chuva pousadas no entardecer. Ainda é Natal. Na oração recolho luz do Menino. Ou permito que me atravesse e transforme.

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Breve oração antes de adormecer




[Breve oração antes de adormecer]

A liberdade de amar: agradeço-Te. Amar também cada pedaço de história minha que ainda não compreendo. Por mais indigna ou escura que seja, faz parte da descoberta da humildade.


Peço-Te: ajuda-me a não me deter em incompreensões, seguindo caminho na liberdade de amar(-Te).

Boas leituras




[Secção boas leituras em tempo de Natal] “As estratégias do desejo” de José Tolentino Mendonça, Ed. Cotovia, p. 33.

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Revista Bica




Revista Bica

[Secção boa publicidade] Esta semana, além de textos para esta oitava de Natal a serem rezados através do www.passo-a-rezar.com, também estreei a presença numa revista cultural portuguesa, a Revista Bica, com "Toda a noite tem um amanhecer". Esta 3.ª edição da Bica centra-se na noite. Pode ainda ser conseguida em formato impresso na edição do Expresso de sábado passado (apenas na zona de Lisboa) ou online aqui: http://revistabica.com/bica-3/

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Breve oração no entardecer de Natal




[Breve oração no entardecer de Natal]

Agradeço-Te a viagem de vida e cada tom de luz. 
As palavras silenciam-se. Fala o Teu tempo.


Peço-Te: ajuda-me a nascer sempre na beleza do agradecimento de Ti e a olhar o outro com a Tua luz.

Carta a Ieshu, o Menino Deus




Joseph Anthony

Depois de ter celebrado a Missa do dia de Natal no Carmelo de Fátima, onde mais uma vez rezei o abecedário e assim mencionar todos os nomes diante do Menino, partilho a homilia/carta a Ieshu, em Menino Deus, lida à luz de uma vela na Missa do Galo. Bom, Feliz e/ou Santo Natal a todos os que por aqui nos vamos encontrando. Que a Luz do Menino vos ilumine todas as sombras.

Carta a Ieshu, em Menino renascido.

Menino Deus, há dois anos sussurrei-te uma carta, em noite bendita de luz. Volto a fazê-lo. Entre milhares de mensagens, mails, posts, escritos por esse mundo fora a desejar um bom, santo ou feliz Natal, pensei em sussurrar-te novamente uma carta suavemente iluminada, ajudando-me a focar no essencial: Ieshu, Jesus, bem-vindo! Ou serás tu que nos dás as boas-vindas à divindade humanizada com o teu primeiro respiro de presença?

Ano após ano voltamos a este mistério de redescobrir o teu nascimento. Poderás ser todo-o-poderoso, vendo-te, assim, frágil, pequeno, a entreabrir os olhos diante da luz dos pequenos luzeiros da noite, aconchegado no regaço da tua mãe que te afaga a pequena mão? Que beleza grande acompanhar-te nessa pequenez que só os grandes de coração conhecem, como a tua mãe, Maria, como José, teu pai, que abrasado de confiança defendeu-te em amor no desconhecido desde o anúncio.

Coincidentemente, este ano de 2017 junta Anunciação e Nascimento quase no mesmo dia. Em poucas horas, repassámos a força da Encarnação na Anunciação, no sim que permite alterar todo o curso da história, até ao teu nascer. “Faça-se em mim a tua palavra”. A Palavra, que a tua Mãe acolheu, és tu. A Palavra que José defendeu de toda a humilhação, até mesmo da possível morte por apedrejamento, és tu. Tu comunicas a mudança de coração que nos permitirá colaborar com cada gesto teu de humanidade. Não são acontecimentos piedosos, de elevação de olhos. São acontecimentos humanos, de fé, encarnados em confiança, levando a baixar o olhar para a tua fragilidade envolta de panos, amor, cheiros intensos e reconhecimento de quem está fora de toda a lógica.

Passando a ansiedade de dias anteriores, o teu nascimento revela oportunidade de rever toda a história pessoal. Como nascer de novo? Dirás a resposta daqui a uns tempos a Nicodemos, ou a cada um de nós, nesse desejo de nos deixarmos iluminar pela tua Vida, como estrelas que só podem brilhar mais forte em noite amada. Amar as entranhas da própria vida, reconhecendo que a miséria humana é lugar de Deus. Não para lá ficar, mas para resgatar todo e qualquer ser humano que se permita o amor.

Há dias, nesta comunidade, fiquei a ecoar com duas perguntas: Onde estás? e Quem és tu? Duas perguntas que nos levam a situar na existência a partir de ti. Nestes tempos, estamos muito influenciados por uma sociedade que nos obriga a despersonalizar em nome de aparências de força, de poder desmedido, de felicidade estonteante a todo o momento, a vidas glamorosas em constante comparação. Onde estará cada um nós quando olha para a tua fragilidade? Quem será cada um de nós quando se vê e sente amado pelo teu olhar? Estas respostas apenas poderão ser dadas no silêncio da contemplação e no gesto de amor ao próximo como a si mesmo.

Silêncio. Como qualquer bebé, recordas-nos a importância do silêncio para podermos acolher a Palavra com sentido. Não em ruídos incessantes, de músicas, notícias, publicações indiscriminadas em redes sociais que agridem, cospem, matam, humilham. Maria e José, teus pais, sabem bem o que isso é. A injustiça do mal-entendido acompanhou-te o desenvolvimento no útero. Essa injustiça ainda continua a fazer tanto dano. Por isso, a certeza do que tudo o que viveste e viverás é sinal claro de podermo-nos confiar a ti por cada momento da nossa vida. As respostas que buscaremos desde as nossas entranhas a esse ser e estar de nós mesmo, podem ser dadas esta noite no silêncio dos nossos corações para que, iluminadas, sejam adubo de existência renascida contigo e em ti.
Ieshu, Jesus, sei que a noite é de silêncio e recolhimento. Mas, como em cada ano, os pastores chegam até ti. Os pastores são os esquecidos que congregam todos os outros esquecidos e rejeitados deste mundo do qual queres pertencer. As respostas que cada um busca às tais perguntas de onde se está e quem se é, depois de iluminadas, tornam-se luz para quem não é visto, para quem é esquecido. As nossas vidas contigo tornam-se dádiva como tu. Dádiva de pão e de justiça. Tu, o Menino da Paz, és a resposta a todas as profecias que anunciam tempo novo. Por isso, este novo nascimento não nos pode deixar indiferentes às misérias e injustiças do mundo. Tantas pessoas em solidão, abandonadas por esse mundo. Tantas pessoas que não conseguem encontrar a alegria da festa, pela doença ou ausência de alguém querida. Tantas pessoas que este ano que passou perderam a vida, perderam gente e perderam bens de sua sobrevivência em incêndios criminosos. Provavelmente perderam a fé. Provavelmente seremos nós, em mãos abertas graças a fé em ti, que lhe daremos uma subtil luz na esperança de que possam retomar o caminho com ânimo.


Ieshu, Jesus, em Palavra renascida, em carne que não cansa de divinizar a humanidade, nesse teu silêncio de Menino, recorda-nos a delicadeza e autenticidade de criança. Assim, que as nossas respostas diante de ti se revistam de silêncio que acalma ruídos, de luz que ilumine todas as sombras, de palavra que dêem vida. Menino Deus, nesta noite e em todas as noites, não te canses de nascer em todos os corações dos que se inquietam, dos que amam e dos que pelo menos têm o desejo de desejar amar. Amén.

domingo, 24 de dezembro de 2017

Em preparação para a beleza do Nascimento




[Em preparação para a beleza do Nascimento que tudo mudou, que tudo muda]

- Eu desenrasco-me, aqui estarei muito bem. Encontraste um lugar adequado, quente e tranquilo. Eu desenrasco-me, José, sou mulher para isto. Ao amanhecer ponho-te Jesus ao colo.
   As dores tinham começado. José colocou um pouco de palha sobre umas pedras secas, estendeu por cima uma manta e peles. Pedi-lhe a faca e uma bacia de água. Deitei-me. O coração latia com mais violência, os latidos ressoavam nas têmporas, como para fechar os olhos. Ninguém à minha volta, o pequeno estábulo estava fora, nos campos. Uma luz caía desde a abertura do tecto de canas e ramos. Era ele, o cometa, posto no céu como um luzeiro. Antes de nos separarmos, passei-lhe a mão pelo cabelo, sorrimo-nos. 

[Erri de Luca, “En nombre de la madre”, p. 85]  


sábado, 23 de dezembro de 2017

Todas as sombras são perspectiva



[Secção outros tons em ante-véspera de Natal] Todas as sombras são perspectiva. É tempo de dar voz à luz e ver de novo. Ou entreabrir, suavemente, cantos há muito fechados. O Menino amado amará, simplesmente amará... e iluminará.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Entrevista no Agora Nós - RTP1



[Coisas na vida de um padre] A conversa foi bonita e cheia de Vida. Nos bastidores, também houve boa gargalhada. É Tempo de Natal! Obrigado Tânia, Zé Pedro e toda a produção do Agora Nós. Aqui fica o link para a entrevista: https://www.rtp.pt/play/p3027/e322359/agora-nos/625889


Magnificat de Maria




Este coração de oliveira foi-me trazido com muito carinho e oração desde Belém da Judeia.

[Secção pensamentos soltos em Semana de Advento] Maria exulta de júbilo numa oração diariamente rezada por muitos. As orações que se repetem com frequência correm o perigo de serem recitadas em que se apaga o coração. O “de cor”, ou seja, “de coração”, torna-se mais “de mens”, ou seja, “de cabeça”, “de mente”. Por isso, é necessário voltar cada vez que se reza à profundidade do coração. Não é emotivismo, nem racionalismo, mas equilíbrio no centro do discernimento. Se aprofundarmos o Magnificat de Maria, a seguir ao encontro com Isabel, percebemos que o Menino vem para alterar a lógica do mundo, recordando o essencial: nenhum ser humano deve ter poder sobre outro, inspirando-se na misericórdia de Deus. Ainda ontem, o Papa Francisco no seu discurso natalício aos cardeais, bispos e restantes membros da Cúria romana, foi claro e assertivo na dimensão do serviço, abertura e adaptação da Cúria [Igreja toda] aos contextos (ou seja, viver o mistério da Encarnação), recordando com palavras fortes os perigos de “cancro de conluios” de poderes também em meios eclesiásticos e “o dos traidores da confiança ou os que se aproveitam da maternidade da Igreja, isto é, as pessoas que são cuidadosamente seleccionadas para dar maior vigor ao corpo e à reforma, mas – não compreendendo a alçada da sua responsabilidade – deixam-se corromper pela ambição ou a vanglória e, quando delicadamente são afastadas, auto-declaram-se falsamente mártires do sistema, do ‘Papa desinformado’, da ‘velha guarda’... em vez de recitar o ‘mea culpa’.” Esta oração de Maria não é uma beatice, é o ressaltar da força do Natal. O nascimento de quem nos vem mostrar que o poder que anula pessoas não é de Deus. O poder de Deus resgata a humanidade desde as entranhas, da compaixão, da misericórdia. Em Belém nascerá o Coração que amará e iluminará toda e qualquer escuridão. Basta querer recebê-lo e acolhê-lo.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Maria e Isabel encontram-se




[Secção pensamentos soltos em Semana de Advento] Duas mulheres encontram-se e confirmam a força da Vida de Deus. A Palavra está em Maria, o Silêncio em Isabel. O silêncio prepara o caminho assertivo da palavra, já exultando no primeiro encontro. Perceber o Natal nas entranhas, é deixar-se limpar de ruídos, dando-se tempo para se viver com verdade a força da existência, independentemente da condição biológica, sexual, social, intelectual, religiosa, cultural, económica, indo ao essencial da palavra límpida e autêntica que dá sempre vida para além de lógicas e leis antigas. Para Deus, no amor, nada é impossível.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Em nome da mãe




[Secção boas leituras em tempo de Advento] “En nombre de la madre” de Erri de Luca. Livro romanceado sobre Maria desde a Anunciação ao nascimento de Jesus. Como diz o autor no final da premissa: “‘Em nome do pai’: inaugura o sinal da cruz. Em nome da mãe inaugura o sinal da vida.” Muita pena o livro estar esgotado nas edições portuguesa e espanhola. Ah, o autor, estudioso de hebraico, afirma-se ateu. Bom dia, em semana da Senhora do Ó.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Aleatório com forma




[Coisas na vida de um padre] Passava por um dos corredores do Colégio. Reparei num fio perdido no chão. Tirei uma foto. Aqui está. O aleatório, ao jeito de nuvens, com forma. E tão própria para este tempo.

domingo, 17 de dezembro de 2017

Breve oração antes de adormecer




Michelle Valberg

[Breve oração antes de adormecer]

Agradeço-Te o deserto que ajuda a despojar adereços
e chegar, também em dança, à alegria serena dos que, 
à Tua semelhança, 
curamos os corações atribulados, libertamos os oprimidos 
e anunciamos a salvação pelo testemunho em luz.


Peço-Te, guia-me nos caminhos de bem-dizer. 

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Mais do que notas.




Lyle Krannichfeld

[Secção desabafos] Estive a lançar notas. Para mim, dos momentos mais dolorosos. Farto-me de dizer que as pessoas não são números e lá tenho de atribuir um a cada aluno(a). Custa, ainda mais por saber que não são as notas que caracterizam seja quem for. É importante avaliar, para aferir como vamos no caminho de humanidade e no que se deseja, quer, sonha para o futuro. Mas o sistema, esse abstracto, nunca conseguirá avaliar o carácter e a honra de alguém. Apenas a vida e o modo como cada pessoa se relaciona com o próximo e com a sociedade é que mostrarão a apreensão de sabedoria humana. 

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Lã de ovelha




Michael Buholzer/reuters

[Secção pensamentos soltos, a pensar na passagem evangélica de hoje] A lã da ovelha perdida e rejeitada é mais agreste [do que a das que sempre se sentiram encontradas, estando, sem darem conta, perdidas no seu orgulho e na sua ingratidão] porém, aquece como o perdão.

Um presente





[Coisas na vida de um padre] “P. Paulo, temos um presente para si.”, disseram-me as “meninas das pochetes”! (A piada está no nome de turma que ficou desde há dois anos depois de, na brincadeira, as ter baptizado assim por estarem todas de pochete.) [As letras do “obrigada” são elas mesmas.]

sábado, 9 de dezembro de 2017

Breve oração ao entardecer






[Breve oração no entardecer] 

Recolho as memórias, mesmo difusas, e entrego-Tas. Toma cada uma, peço-Te, e reveste-me de agradecimento. As felizes: que iluminem mais. As tristes: que se diluam na luz das felizes. As dolorosas: que sejam curadas pelo amor da vida em terra fértil semeada.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Onde estás?




Takashi Ishizaki

[Secção pensamentos soltos] Nas minhas orações e pensamentos soltos, surgem algumas vezes ideias sobrepostas entre a visão global das coisas e o pequeno, o do dia-a-dia, do quotidiano. Entre muitas outras coisas, contribuem as conversas, banais, sérias, de confissão ou corredor, como as leituras, de livros, crónicas e afins. Depois, a minha história pessoal no meio disto tudo, com as distintas relações que tenho. Faço silêncio. Muito silêncio. Aliás, desde há tempos que necessito de maior tempo e espaço de silêncio para digerir as informações que vou recebendo. Não é preciso ser grande especialista para perceber que o mundo está em tensão. No entanto, alguma vez deixou de estar? Em conjunto com “Silêncio na era do ruído” de Erling Kagge, estou a ler o “Sapiens - História breve da humanidade” de Yuval Harari. É interessante perceber esse encontro com o individual e o comunitário. Na leitura quase espiritual sobre a importância do silêncio vejo a humanização que nos pode levar ao essencial do amor próprio. Já “Sapiens” desafia-me ao questionamento sobre a ânsia de poder derivada do instinto de sobrevivência animalesca que milhares e milhares de anos depois continua nas entranhas de cada um de nós. A questão: como é que cada um lida com isso? Pois, silêncio, amor próprio e os outros. Hoje mesmo, a propósito da celebração da Imaculada Conceição, a leitura do livro do Génesis apresenta-nos a primeira pergunta de Deus no texto bíblico: “Onde estás?” Ao ler as notícias de política internacional, mas também a saber de mesquinhez e mentes pequenas em ambiente aldeia (que pode ser do tamanho de Portugal), não deixo de ficar pensativo sobre este desejo de encontro divino. Há dias, em conversa, alguém me dizia: “de que serve ir a muitas missas se quem lá vai rejeita-me constantemente?” Não falava da generalização fácil, mas de exemplos concretos. Parece-me que milhares de anos depois dessa intuição de escrita “onde estás?”, a pergunta continua extremamente actual. De tal maneira que a encarnação acaba por ser uma resposta. “Vou ao teu encontro”, quase se ouve Deus dizer em eco à sua própria pergunta. Um problema constante entre nós, pessoas de enorme complexidade, é a falta de encontro, de empatia, de se saber que o outro é e será sempre diferente de mim. Por isso, não tenho o direito em formatá-lo a um determinado modo de agir ou pensar. É a diversidade e a liberdade que cria humanidade, não a uniformidade e a castração de pensamento. A humanidade é igualmente criada por uma comunidade de unidades, ou seja, pessoas com dons distintos postos a render, sem necessidade de provas ou lutas de poder ou de afirmação de identidade. O “faça-se” de Maria é resposta a essa busca de encontro, onde se aclara a consciência de que o divino não busca a opressão, o controlo, a condenação, mas a libertação, a salvação. Milhares e milhares de anos depois, já começa a estar na altura de elevar o ser para além do poder animalesco, onde cada pessoa, ao seu modo, pode dizer “faça-se em mim” caminho de liberdade. Para isso, o silêncio, o amor próprio e aos outros são imprescindíveis.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Lágrimas




Melissa Cormican

[Coisas na vida de um padre em quotidiano escolar] Passava por um corredor. Olhei para uma sala. Alguém escondia as lágrimas com o capuz. Aproximei-me. 
- Quer falar?
Meneou a cabeça em negação.
- Daqui a pouco começam a chegar os seus colegas. Venha comigo.

Fomos para o meu gabinete. Acendi a vela e sentámo-nos. As lágrimas continuavam.
- Não precisa dizer nada, nem retrair as lágrimas. Tome o seu tempo.
Enquanto eu falava, mais lágrimas caiam. Densas, de quem já as guardava há muito. Não sei quanto tempo passou. Apenas estávamos, em silenciosa presença e na certeza de que não ficaria só. Há lágrimas que não querem palavras, apenas companhia. Ao ver a calma a estabilizar:
- Quer ficar mais um pouco?
- Já posso ir. Obrigado.
Tirou o capuz, demos um abraço e voltou para a aula. 

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Quem dera




Thiruvananthapuram


[Secção desabafos sobre educação] Quem dera que as notas fossem perdendo a força de essência numa escola. Que se percebesse que ensinar vai para além de estruturar em conhecimentos técnicos e académicos, ajudando a que os dons de cada pessoa, educando e educador, sejam o primordial, sem competições de impossível, para a colaboração do possível. Quem dera que quem decide matérias a ensinar tomasse consciência que tanto educador como educando são pessoas e não máquinas. Quem dera que se pudesse perceber que o intelecto vai de mãos dadas com o humano e com o espiritual, permitindo o sentido crítico pessoal e social, vivendo assim a relação que constrói comunidade e respeita o próximo.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Advento: preparar a luz




Ali Hamed Haghdoust


[Secção pensamentos soltos] O Advento ajuda-nos a preparar o nascimento da Luz que vem novamente iluminar novas perspectivas de humanidade. Em sol que nasce para todos, vem eliminar a antiga separação de puros e impuros, de elevados e rebaixados, de melhores e piores. Diante de Deus, dissolve-se toda e qualquer separação de humanidade. No entanto, Ele continua a precisar de nascer, de fazer-se carne como nós para nos resgatar de toda a divisão. Seria mais fácil, mais mais desumano, se vivêssemos em bolhas, onde gente aparentemente pura nem se aproximava da impura. Esta pureza pode ser retratada, não só em termos de higiene, como em modos de pensar ou de viver. Há que afastar das pessoas da má-vida, para não se ser corrompido com maus exemplos. Mas, que melhor exemplo podemos dar para além da proximidade no respeito pelo outro? Há dias vi um cartoon: uma mãe dizia ao filho pequeno ao ver um pedinte: “estuda muito para não teres uma vida como a dele.” Outra mãe, ao lado, dizia ao filho pequeno ao ver o mesmo pedinte: “estuda muito para ajudares a sociedade a ser melhor sem rejeitares ninguém.” É esse iluminar que tanta falta ainda faz.

domingo, 3 de dezembro de 2017

Haja Deus!




Tomasz Solinski

[Secção coisas na vida de um padre] Ontem presidi a Missa vespertina na comunidade de um grande amigo. Partilhei a pergunta que me faço em cada início de advento: como viver este advento de modo a que o Natal não seja mais um no calendário? O Natal, sabemos, tanto tem de mágico, maravilhoso, e tal, como de terrível, onde muitas pessoas avizinham sofrimento, em especial, por questões familiares. Assim, o disse também: que fazer para que este Natal seja possibilidade de reconciliação? No final da Missa, vêm ter comigo umas quatro ou cinco pessoas, uma delas bastante emocionada. 
- Padre, as suas palavras tocaram-me fundo. Sabe, tenho três filhos. O mais novo pediu-me a escritura do apartamento para pagar umas dívidas. Disse-lhe: “filho, e com 82 anos que faço? Vou viver na rua?”. Deixou de me falar. Ao ouvi-lo na pregação, senti tão forte a mão de Deus e pensei: “vou telefonar ao meu filho.”
- Agradeço por partilhar comigo. Faça o que pode. Se sente que deve ligar, ligue. Se ele não responder, sabe que fez o que teve ao seu alcance.
- Obrigado, Padre. Vamos ver. Que Deus nos ajude. 
Passado uma hora, estando de conversa com o meu amigo, ele recebe uma chamada.
- …sim, até está aqui ao meu lado… …ahh, que bom… …que alegria… Obrigado por partilhar. Abraço Grande. Bendito seja Deus. [Desliga e olha-me com um grande sorriso.] Foi alguém falar contigo no final da Missa com dificuldades de relação com um filho? Pois, era ele ao telefone. Queria que te dissesse que depois de sair da Missa, encontrou-se com o filho à porta do supermercado. 6 meses depois, encontraram-se. O filho disse-lhe que já andava para telefonar há tempos, mas não se sentia com coragem. Encontraram-se hoje, deram um abraço e o filho pediu-lhe desculpa pela atitude e combinaram conversar. Haja Deus!
- Haja Deus!
Senti o verdadeiro sentido de Natal a acontecer mais uma vez.

Advento




[Secção outros tons - especial início de Advento, em dia de S. Francisco Xavier] Chego para partir em nova luz. É tempo de escutar a vinda, renovando a vida. Em mar de emoções de encontro que transforma é preciso respeitar as horas de cada uma. A seu tempo dão fruto de crescimento, até que tudo seja iluminado pelo sol que gira sem cessar sobre aqueles que amam.

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Caminho de humanidade




Narciso Contreras

[Secção pensamentos soltos] Expressões como “deves de achar que sou preto!” e similares, traduzem o que vai no inconsciente colectivo sobre o que significa ser “preto”, a saber, escravo(a), criado(a), etc. e tal. Nem vale a pena dizer, “oh, é a brincar. Nem sou racista.” Ok, então que se pense com calma na expressão, sabendo que a linguagem tem força, e deixe-se de dizer. Com as recentes, assustadoras e vergonhosas notícias sobre a venda de escravos na Líbia, em conjunto com tantas experiências sociais que revelam o racismo encapotado, percebe-se mais uma vez a importância da reflexão séria sobre o que é ser humano. Percebe-se também o porquê de milhares de pessoas desejarem fugir de países que as aniquilam como seres humanos, tornando-as instrumentos de trabalho. Na homilia das Missas de Turma que celebrei há pouco, recordava como facilmente podemos ter ídolos que nos cegam humanamente, tirando o peso da dignidade e dividindo-nos. Por exemplo, o dinheiro e o poder. Acrescento, a diferença, numa supremacia branca que demarca seres superiores e inferiores. A história ensina-nos que houve péssimos entendimentos de humanidade. Tal, continua. Tristemente continua. Não tenho assento em locais de decisão política, mas, nos de educação, sim. Assim, que se viva o educar, independentemente da idade, para a linguagem e para o respeito pela diferença, dando os passos possíveis no caminho para humanidade. 

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Contra a desonestidade intelectual





Stefano Rellandini/Reuters

[Secção pensamentos soltos] Tenho dificuldade com polémicas. Em geral, surgem de incompreensão, desconhecimento e fazem sempre mal. Como a seu tempo escrevi, incomodou-me bastante a atitude do grupo que publicou a “Correcção Filial” ao Papa Francisco, acusando-o de herege. Não sou apologista de se aceitar tudo cegamente. Nem o Papa quer ser idolatrado. Ele conhece bem o mandamento “Amar a Deus sobre todas as coisas”. No entanto, quando há desonestidade intelectual, há que denunciar. Fazer uma lista de signatários onde constam nomes à revelia da própria pessoa ou de pessoas fictícias, mostra o quanto não se está a pensar no bem da Igreja, mas numa posição fundamentalista da realidade. É verdade que se quer um deus à medida, também passo pela tentação, mas, por favor, não o imponham a ninguém por caminhos sinuosos. Releiam, com calma, o Evangelho, em especial detenham-se na Paixão. Verão que quem condenou Jesus à morte foram os que queriam um deus à medida dos seus desejos de poder e separação. Não aguentavam a certeza da universalidade de Deus, nesse Seu Amor, único, em especial pelos rejeitados.