terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Palavrões




Nancy Bumpus

[Secção desabafos] Se as crianças dizem palavrões? Sim, dizem. Ouve-se aqui e ali, no pátio da escola, na rua, no autocarro, no café ou em casa, de forma mais ou menos cultural, como ofensa ou libertação de tensão. Pode ser dito “caneco”, “flor amarga”, “filho de mel” ou outro neologismo qualquer para ir a esse palavrão que se quer evitar. Justifica-se com isso usar no ensino escolar? Recordo sempre o riso envergonhado quando lemos, no meu ido 9.º ano, “a puta da badana” no Auto da Barca do Inferno de Gil Vicente. O importante é perceber que na educação nem tudo é válido, nem tudo é evitável, mas tudo pode e deve ser conversado de acordo com a idade e a maturidade. Afinal, não lidamos com massas informes, mas pessoas concretas com maturidades e histórias de vida muito diferentes. Mais uma vez, a educação não pode ser uma deliberação de gabinete… implica muito de terreno, com trabalho pessoal e colaborativo entre educadores (nesta palavra incluo encarregados de educação, docentes e não-docentes) e alunos. Depois, discussões em praça pública a partir de superficialidades de parte a parte apenas provoca o que vai sendo cada vez mais natural: gritos, berros, acusações. Quem perde? Todos nós! Para ganhar, que haja reflexão séria… não tanto pelas leituras do Plano Nacional de Leitura, mas pela percepção de que a Educação é mais séria do que se quer crer na construção da Sociedade.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

[...]




[Secção pensamentos soltos] É sabido que a vida é um constante desafio. Entre coisas interessantes que possa ler e deixar-me a pensar, há o quotidiano, em simples trocas de palavras, gestos e partilha mais prolongada da experiência da vida, com escuta, em confiança, de tanto. Muitas vezes, também eu desejo fórmulas mágicas para que tudo esteja bem, da simples relação humana, familiar ou profissional, à situação aparentemente incontrolável do mundo mais amplo. Olho para a Crunchie (a minha hamster). Dorme, come e passa bastante tempo na roda, nesse “caminho” que dá voltas e voltas sem a tirar do sítio, apenas na libertação pelo exercício físico, em completa despreocupação. A vida não é uma roda… não pode ser, nem posso deixar que o seja. Tem o seu quê de exigência, na busca pessoal por onde passa o crescimento. Penso nisto várias vezes, sobretudo depois de “conversar” (obrigado tradutor “árabe-português” da google) com pessoas que aterram numa nova terra fugidos da guerra. No recolhimento da noite, em celebração de Missa, ao fazer o exame de consciência agradeço cada vez mais os pequenos “nadas” e vou alinhavando por onde tenho de podar, regar e semear o que me permita crescer em humanidade. Em tempos, incomodava-me bastante quando me defrontava com as minhas falhas… o ego ferido é muito doloroso. Hoje em dia, tento focar-me na força do amor. E aqui revejo-me novamente em Daniel Faria, que ando a ler… acabando por ser força de oração… “[…] Querendo-se sem falha, será o mais incompleto dos seres.”

domingo, 29 de janeiro de 2017

Silêncio



Foto tirada entre aguaceiros

[Secção outros tons]

Silêncio:
a oração impele 
ao cume

enquanto o 
mundo grita:
silêncio.


quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Humanização




Kai Pfaffenbach/Reuters

[Secção desabafos] Custa-me ler e ouvir declarações do novo presidente dos EUA. Ainda mais hoje, que acolhi, em nome do Grupo de Apoio aos Refugiados do Colégio das Caldinhas em colaboração com a Câmara Municipal de Santo Tirso e a Cruz Vermelha, uma família Síria. Depois de darmos um abraço, o Hassan diz: "quero fazer de tudo para começar a trabalhar. Não podemos estar dependentes de um país que tão bem nos recebe." Sigamos... em caminho da humanização.

Limites e grandeza




Em jeito de oração, no amanhecer de algo novo... por Daniel Faria.


terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Crunchie




Os animais de estimação que tive foram sempre pequenos: cobaias e hamsters (com criação e tudo). Acabámos por nunca ter um cão ou gato, pelas mais variadas razões. Eu gostaria de ter um cão, mas, como jesuíta, não dá… por outras tantas razões com muito sentido. Este fim-de-semana, lá com os miúdos, fui às compras ao mercado e eis que vejo uma (agora sei que é uma) hamster ferido que não estava a ser de agrado de ninguém. Sobe-se-me o carinho, dei 5€ ao senhor que ficou todo contente e trouxe-a. Senhores e senhoras, meninos e meninas, apresento-vos a Crunchie.

Equilíbrio




Félix Morlán González


[Secção outros tons] Encontro o equilíbrio nas palavras, enquanto sinto feridas saradas e escuto o imenso que me rodeia. Paz e reconciliação… ao jeito de mantra, oração e desejo que entre em cada poro de pele… e gesto de vida. 

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

A ti, Tino...



Esta foto enviou-me o Tino há anos, de viagens…


Para ti, Tino… e Suzana, depois desta intensa tarde.

A porta mora à espera...abre-se um espaço maior...uma região mais íntima na circulação das minhas veias
uma outra terra que pensa a minha morada
um perfume, uma maravilha, um repouso
para a cabeça dos que lutam com bravura 

Daniel Faria [poderia ser Constantino Gonçalves]

Abraço, querido Amigo, até à grande Festa da eternidade.

domingo, 22 de janeiro de 2017

Fim-de-semana




Fim-de-semana com alunos de 6.º ano. Muita brincadeira, jogos, animação, perguntas e mais perguntas. Também paragem. Propus-lhes conhecimento próprio através de corpo. Gargalhadas, com os jingles de anca e gritos para libertar vergonha. Expressaram-se em movimento e, depois, rezaram o Pai-Nosso com gestos únicos de si. No final, meditámos em agradecimento de cada parte do corpo: os pés e a possibilidade de caminhar, as pernas que ajudam a fazer caminhos, as mãos, os braços e os abraços, os olhos e o olhar, os ouvidos e o escutar, o coração e o amar-se. E, ainda assim, tanto por descobrir. Fizemos nova amizade… amanhã revelo. Agora, descansar de tanta intensidade.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Surpresa




[Aula com alunos do 6.º ano] Sempre que posso, saio da sala com os alunos. Eles sabem disso e, sempre que o tempo permite (para eles frio não conta), vamos até ao bosque. Se já em aula, com a relação de proximidade, vão fazendo perguntas ou partilhas mais pessoais das suas perspectivas sobre a vida, em momentos fora do contexto habitual, outras conversas surgem. Ao seu modo, partilham a viagem de sonho ou a dúvida sobre algo ou ainda a tristeza por alguém doente. Assim que chegam ao bosque, depois do habitual convite a escutar o silêncio:
- Stôr, podemos ir ali ao fundo? Queremos preparar-lhe uma surpresa.
Passado um tempo, chamam-me.
- Stôôôôr!!! Já pode cá vir!
Fomos todos, a ouvir o resmalhar das folhas secas.
- O Natal já passou, mas como o stôr diz tantas vezes, Jesus está sempre a nascer. É para si. 
- Permitam-me: é para nós.
E abracámo-nos todos, em agradecimento.


quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Chega-te Deus feito Homem



Yannis Behrakis/Reuters

[Secção outros tons] Chega-te Deus feito Homem, nesse olhar que vê o atrofio de mãos e de mentes. Diante da Vida o sábado é irrelevante, mesmo que séculos ou milénios depois de o “levanta-te e estende a mão”, dito nesse dia proibido de liberdade, ainda continuem a soar vozes dissonantes com desejos de segregação. A mente atrofiada em coração empedernido é difícil de curar, impedindo de perceber o céu e o véu rasgados em amor de Filho.

Árvores despidas




- Stôr, qual o interesse de fotografar uma árvore despida?
- Simplesmente registar a beleza do contraste entre os ramos despidos e o céu azul.
[Vê a foto]
- Parecem neurónios. 
- E mais?
- Redes de comunicação.
- E mais?
- Estrutura para construir uma casa.
- E mais?
- Ossos entrelaçados.
- E mais?
- Escovas enormes para limpar o céu.
- Então, qual o interesse de fotografar uma árvore despida?
- Hmmm, é isso… ehehehe… dar asas à imaginação. 

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Armadura? Pele




Calin Strajescu

[Secção coisas de corpo] Por aqui e por ali vou encontrando cada vez mais pessoas com armaduras. Já não de ferro como em tempos idos, mas de alma. Gente endurecida, que vai perdendo a sensibilidade no que a rodeia. Somos seres de endo-esqueleto, sendo a pele a revestir-nos e a pôr em contacto com o exterior. Numa mistura entre força e fragilidade, a pele protege-nos de forma delicada. A suavidade do toque permite o arrepio, medindo temperaturas de clima e de alma. A flexibilidade contribui para a maleabilidade de pensamento. Corre-se mais riscos de dor, com cortes ou queimaduras, por não haver receio de amar. É mais fácil a armadura, no entanto, o peso vai aumentando, impedindo a ligeireza do movimento para a liberdade. No fundo, o profundo amor a si mesmo e ao próximo permite voar com os pés bem assentes no chão, de rosto luminoso e mãos dispostas a servir.


domingo, 15 de janeiro de 2017

Estágio de Formação Humana e Espiritual




Maria Amorim


Este fim-de-semana estive com uma turma em Estágio de Formação Humana e Espiritual. Algo bastante forte e marcante no nosso projecto educativo é precisamente a Formação Humana e Espiritual. Diariamente, acompanhando os alunos com a proximidade, que passa pelo simples “olá” até às conversas individuais de modo a perceber os seus sentires pessoais e ajudá-los a crescer com e para os outros. Pontualmente, parando um dia ou um fim-de-semana em turma, onde há tempo para saborear gratuitamente a vida e viver o perdão e agradecimento uns com os outros. Entre outras coisas, vindo a propósito, disse: “As nossas decisões e acções provocam ondas. Se forem para o bem, as ondas são tipo pedra no charco… suaves que agitam a água, dando-lhe vida. Se forem rodeadas de irresponsabilidade, as ondas podem ganhar proporções de tsunami, destruindo tudo à volta. A adolescência é para ser vivida com emoção, com garra, com sonhos, aprendendo igualmente a força da dignidade, minha e do próximo”.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Ajuda psicológica



Jakir Hossain Rana

[Coisas na vida de um padre] Alguém me falava muito a medo sobre ajuda psicológica.
- Eu não sou louco.
- Acha que eu sou louco?
- Não, sr. padre, de modo algum. 
- Então… eu já recorri a ajuda em terapia psicológica e, além da orientação espiritual, continuo a fazer o que se chama supervisão psicológica. Tenho gosto, dom, vocação em acompanhar pessoas, ajudando-as a ser livres e felizes, sabendo que também sou uma, na mesma busca de liberdade e, acrescento, encontro com Deus. 
- [Com ar de surpresa] Por essa não esperava.
- Infelizmente, ainda não há muito cuidado e atenção com a saúde mental, fazendo-se julgamentos rápidos e tristes. Antes de algo mais grave, é possível fazer tanto. Se partir uma perna, vai ao ortopedista. Quando as feridas de alma são muito profundas, procura-se a ajuda especializada para as curar.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Sementes e pássaros



Jason Boswell

[Coisas na vida de um padre] Contava-me os últimos acontecimentos. Doenças e internamentos, com situações de perigo de vida, que deixaram de o ser, sentindo nova vida a surgir, novo olhar para as coisas. Na conversa:
- Vê tu, que no meio de tanto, ainda por cima levei com uma cagadela descomunal de um pássaro. Que mais me falta acontecer?, pensei. Era tudo tão triste.
- Posso dar outra interpretação? Sentes nova vida a surgir. Bem, a porcaria de vida pode ser fertilizante para algo novo. E um pássaro liberta sementes nos dejectos. Não é poético. É a realidade. Agora é tempo de deixar essas sementes brotar, com o novo olhar para a Vida. 

[...]




[Secção outros tons] A fé rodeia-se de história, olhares, escuta e caminho. Num instante, o silêncio do amanhecer.

Silêncio



Desenho de Nuno Branco,sj

[Secção Silêncio, ou efeitos dele] Percebo que o filme mexeu e mexe seriamente comigo quando acordo, ou nem sei se adormeci, com lágrimas a "cair de fio", enquanto os pensamentos agitam-se com perguntas... e, em jeito de oração contemplativa, apoio-me na pintura de um Companheiro logo após de ter visto o mesmo filme. 

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Nevoeiro




[Secção outros tons] Saboreio o silêncio do nevoeiro. Nele reside poesia e mistério próprio de abrandar passos e ficar à espera que se dissipem perguntas. Pouco se entende quando não se pára e contempla… mesmo que nada se veja a não ser a incógnita do que possa surgir. Entre medo e surpresa, aclara-se, pelo menos, beleza.

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Silêncio, o filme




Fotograma do filme Silence Movie, de Martin Scorsese

Vi o Silêncio. A última vez que senti o que vivo pelo corpo foi na Ordenação de padre. O cansaço da intensidade, talvez possa designar assim. Ainda não estou capaz de intelectualizar sobre aquelas mais de 2 horas e meia que passaram sem tempo de demora. O filme pode falar da dúvida de fé. Saio de lá com a clara sensação de adensar-me ainda mais a fé… em Deus que baralha todos, mas todos os meus esquemas. No ano em que terminei a licenciatura em Teologia, fui a Manresa, onde Sto. Inácio de Loiola teve a visão do Cardoner, percebendo a expansão e universalidade de Deus. À conversa com um Companheiro, falava-lhe das minhas dúvidas, inquietações, gostos e irritações com a Teologia. Disse-me: “Paulo, a vida espiritual é como a subida ao Everest. Temos todos os guias, como a Bíblia e os Exercícios Espirituais, até um determinado momento. Aí, nesse preciso momento, mais ninguém nos pode acompanhar à subida ao cume. Estão nas nossas mãos a morte, a vida e a Vida.” Ainda não estou, nem pouco mais ou menos, nesse momento na chegada ao cume, no entanto, com humildade, acrescento… nas nossas mãos estão a morte, a vida, a Vida e o Amor. E hoje compreendi mais um pouco o Amar de Jesus até ao extremo… em Silêncio.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Daniel Serrão | Zygmunt Bauman




[Secção homenagens] Ontem, Daniel Serrão, hoje, Zygmunt Bauman. Partidas de quem deixou fortes marcas no pensamento contemporâneo sobre o ser humano e a sociedade. Ambos alertaram para mudanças que afastam o ser humano do essencial, tendo o desejo de o aproximar à sua densidade de vida e de encontro. Serrão impulsionando a Bioética, Bauman advertindo para os perigos da crescente insensibilidade da sociedade globalizada. De Daniel Serrão, li bons artigos e ouvi melhores entrevistas, como esta https://soundcloud.com/joao-delicado/entrevista-prof-daniel-serrao-1parte. De Zygmunt Bauman, além de bons artigos, estou a meio do livro, que vivamente aconselho, “Cegueira Moral - A perda da sensibilidade na modernidade Líquida”. A humanidade perde dois grandes Homens que a amavam profundamente. Fica o seu legado. Continuemos a aprender com o imenso que nos deixaram. 

Vida em abundância




Nelson Garrido, da escultura “East-West/West-East” de Richard Serra


[Coisas na vida de um padre] Ofereceram-me esta foto, escolhida e assinada pelo autor. A escolha teve a ajuda da passagem aqui pelo blogue, no que vou partilhando em escrita e fotos. Já estive em contemplação diante dela e fez tanto sentido depois de um dia cheio. Conversas soltas e mais sérias, em escuta de vida, confissões, pregação na Missa de funeral da avó de um colega e de um aluno e Missa em Comunidade, celebrando o Baptismo de Jesus. Neste acontecimento forte, onde mais uma vez Jesus mostra que participa plenamente da humanidade, pondo-se na fila para ser baptizado, o Céu e a Terra juntam-se, unem-se, ligam-se. O Filho Amado torna presente a força do Pai no meio de nós. Se antes havia separações a partir de “purezas” que velavam a relação com Deus, com Jesus tudo se desvela, mostrando a justiça de Deus: dar vida em abundância, desejando o crescimento de cada ser humano em fé, esperança e caridade. A vida essencial que está para lá da sobrevivência, de uma manutenção biológica do respirar ou alimentar, que nunca morre: dá-se a transformação da presença, jamais o seu fim. São muitas as vezes que isto é difícil de compreender, ou então, até por muitos pode ser visto como estupidez. Olhando para esta foto, sinto-me criança a olhar ao alto, no imenso que desconheço, deixando-me deslumbrar com a beleza da fé, acabando por ser ponte no anúncio e vivência da justiça de Deus. E continuo no caminho da Sua escuta no meio do turbilhão do mundo.

domingo, 8 de janeiro de 2017

Epifania [do acolhimento]




Moussa Idrissi


Das coisas que mais me fascinam no encontro com Jesus é o Seu acolhimento. Os Evangelhos fazem questão de nos mostrar que desde logo o Menino é o sinal, a manifestação, de inclusão, de abertura ao outro, em especial, aos excluídos e ao diferente. Na noite de Natal, em abertura do tempo natalício, com a passagem de S. Lucas vimos como os pastores, aqueles que estão fora, apesar de pertencerem à mesma sociedade, são os primeiros a adorar o Menino. A encerrar o tempo natalício, em S. Mateus é-nos apresentado outra adoração do Menino. Desta vez, os Magos vindos do Oriente são os primeiros a viver o acolhimento universal por parte d’Aquele que revela novo modo de reinar: na paz, na justiça e no serviço. Novamente, a partir destes textos, percebemos que a relação com Jesus é o primordial. Quando o conhecemos verdadeiramente, de coração disposto à conversão, acabamos por regressar, tal como os Magos, por outro caminho… e manifestar, tal como Ele, o acolhimento nas nossas vidas.

Não escrevo sobre Mário Soares




Lucas Bariberi

[Secção pensamentos soltos] Não escrevo sobre Mário Soares. Pela idade, falta de conhecimento histórico-político, por ler factos, tanto de méritos e louvor, como de infelicidade nos actos e palavras, ou, simplesmente, fazer-me reacção o bombardeamento de informação, não me permite ter uma visão crítica o suficiente para me manifestar. Poderia fazê-lo com uma simples frase de reconhecimento, mas, ainda assim, seria demasiado simplista da minha parte. Com a Dra. Maria Barroso ainda estive algum tempo à conversa, já jesuíta, na Igreja do Colégio em Portimão. A Mário Soares, quando era Presidente, apertei a mão por duas vezes entre os meus 6 e os 8 anos: na Praia do Vau e na Rua do Comércio, em Portimão. E isto, de facto, é muito pouco. 

Permito-me escrever ao de leve sobre algo que já vou percebendo um pouco mais: educação. A educação não se restringe à escola. A base, sabemos, é em casa (seja o que casa for, já que na actualidade pode haver duas ou mais casas, e uma delas ser  a ou uma instituição de acolhimento). Nós aprendemos por imitação. Não adianta muito dizer algo quando o que faço é o contrário. “Não se grita às pessoas”, quando o modo de falar (ou escrever!) é aos berros com a mulher ou marido, ou o vizinho, ou com quem não se gosta. É fácil perceber que qualquer coisa não vai bem com quem é azedo nas palavras e nos gestos. Não, não é uma questão de personalidade, mas de problemas afectivos, consigo e com o mundo e isso pode ser tratado. A educação passa por um trabalho pessoal de reconhecimento de como se está e saber que o que se diz ou faz tem implicações ao nível pessoal e social. 

Há a forte necessidade em exprimir o que se pensa. Até aí, tudo bem. Faz parte do relacionamento humano podermo-nos manifestar com opiniões e modos de ver a realidade. No entanto, saber a diferença entre “mandar o bitate” e manifestar o pensamento, com argumentos e sentido, é de extrema importância para o bom decorrer da liberdade de expressão. De forma intensificada desde ontem depois das 15h30, mais uma vez se confirma que a Educação anda bastante turbulenta. A base é em casa. Muito do resto também é político. Depois de análises sérias, há sempre tempo de mudar… evidentemente, para melhor. 


Ontem, na Missa, como sempre faço quando alguma personalidade morre, pensei em Mário Soares. Enquanto português, faz parte da minha história.

sábado, 7 de janeiro de 2017

Sobre violência...




Reuters

Quando vivi em Madrid, orientei um workshop de corpo a um grupo de alunos de risco de um dos nossos colégios. Quase todos faziam parte de gangs, tinham levado facadas (mostraram-me as marcas) e dado outras tantas. Como para mim, desde há muito e vai-se a apurando, antes de qualquer característica, as pessoas são pessoas, ali estava a partilhar o que me parecia importante. As professoras estavam muito nervosas. Percebia a vergonha, quando a linguagem e atitudes deles eram mais agressivas. Fiz-lhes sinal para não se preocuparem. Num momento, para falar do espaço antropológico, aproximei-me rapidamente de um deles, parando muitíssimo perto da cara. Vejo-o, em olhar periférico, a fechar o punho e a levantar o braço, estancando-o acima da cabeça. O silêncio era indescritível. Mantive-me sereno sem mostrar nenhuma reacção. Percebi pela sua cara que isso estava a baralhá-lo. 
- Porque não continuas?
- Não posso.
- Não podes porquê? Porque sou professor ou não sabes o porquê da reacção?
- Não sei.
- A vida dá-nos instintos de sobrevivência. Passaste o tempo a viver e a apurar a base do instinto, agredindo com violência qualquer objecto estranho que se aproxime de ti. Mas, já pensaste que és mais do que instinto? Que vocês são mais do que a violência? Que vocês são mais do que manifestações de poder animalesco? Sabem o que vos falta? Amor. Já sei que é a demasiado “florzinha”, mas falta-vos amor que mostre a vossa dignidade enquanto pessoas, para além dos rótulos que a sociedade vos pôs, junto com as regras para perceber que, lamento, o mundo não é vosso. Vamos mudar de exercício. Querem tensão? Pois bem, toca a contrair os músculos todos. Contrair ao máximo, ficando o mais rígido possível. E relaxem, derretendo para chão.
No final, propus um tempo de meditação. Ainda houve resistências, junto com concentração e uma lágrima muito fortuita. 
Quando se foram embora, uma das professoras vem ter comigo:
- Tens noção que ias levando um murro? Ele é o chefe de um dos gangs. Ele não disse, mas é respeitado pelo outros por ter eliminado um com uma facada no estômago.
- Que idade tem?
- 16.


Lembrei-me disto, a propósito do famoso vídeo do caso de violência em Almada. Não vi. Mesmo podendo ser insignificante, ficam com menos uma visualização. Apercebo-me o quão facilmente se espalha o agressivo ou estimulante de gozo. Sinceramente, sinto-me responsável por isto, ainda mais quando sou educador. Das coisas fundamentais é mesmo o de educar para a liberdade, com conhecimentos (no meu caso de âmbito religioso, moral e humano), ferramentas de relacionamento e com atitude. Sentir-me responsável não significa carregar com a culpa da violência alheia, mas, sim, alguém que quer dar uma resposta social a partir do respeito. E há tanto a fazer.

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Santíssimo Nome de Jesus




Rebeca Acedo/JRS


Nós, jesuítas, celebramos hoje a Solenidade do Santíssimo Nome de Jesus. Somos mais conhecidos por jesuítas, mas Sto. Inácio, aquando da fundação da Ordem, fez questão de que se chamasse Companhia de Jesus. É de recordar que o nome traz identidade, permite identificar. Longe de ser uma designação convencional, em muitas culturas expressa o papel de um ser no universo: o ser e a natureza através da missão e das acções que realiza. Deus, no livro do Génesis, cria, pondo nome aos astros e pede a Adão que dê nome a cada um dos animais. O nome dado ao ser humano no nascimento expressava a actividade ou o destino que cada qual levava. Pensando em Jesus, o nome traduz a força de ser “Deus connosco”. Sendo nós companheiros d’Ele, então, hoje é dia de recordar a nossa missão de anunciar, por esse mundo fora, como em Jesus se anula a distância em relação à divindade, tornando-nos amigos e, de forma ainda mais profunda, irmãos em Deus.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Dançar em 2017




Alexandre Meneghini/Reuters

“Tomorrow shall be my dancing day” é um cântico inglês de Natal que nos apresenta a vida de Jesus, desde a encarnação à ressurreição, com a dança como mote. A dança que implica o corpo nas suas muitas dimensões, fazendo-nos habitar quem somos, no tempo e no espaço. Quase podemos dizer, seguindo a ideia do cântico, que a partir da linguagem da dança é possível compreender o nosso modo de existir ante Deus. A dança permite-nos entrar em nós mesmos, como corpo que somos, tanto individual como comunitariamente. Quando danço, deixando o movimento ganhar autenticidade e limpidez no gesto, percebo o quanto recebo de informações sobre mim, levando a bonitos e profundos momentos de oração. Por isso, uma das resoluções para este ano é continuar a dançar… de corpo em abertura a Deus. 

domingo, 1 de janeiro de 2017

Ternura de Mãe e Paz




Yannis Behrakis/Reuters


O Papa Francisco, neste dia de Santa Maria, Mãe de Deus, e Mundial da Paz, recorda-nos como a ternura de mãe transmite-nos paz. A segurança que necessitamos tem de ter como base a confiança. A falta de paz acaba por esta ligada às escravidões de tanto que é acessório: questões de poder mal direccionado, de abuso do outro, de comparações que tiram a força de se ser único, de se achar que o meu modo de ver as coisas é que é “o” modo sem se estar aberto a outras perspectivas, etc.. Ao mundo falta afecto, nisto de nos fazermos próximos e de, nessa proximidade, dialogarmos. Todos, sem excepção, somos chamados a ser construtores de Paz. Não uma paz podre, em que se mantém algo artificial em nome sabe-se lá do quê. Mas, a paz que nos ajude a crescer como humanidade. Pode-se pensar que são “eles” que decidem, no entanto, a decisão de começar a viver caminho de verdadeira Paz começa em cada um de nós.