sexta-feira, 31 de março de 2017

Abertura de horizontes





Danish Siddiqui/Reuters


[Secção coisas] Se há coisa que, como padre e professor, proponho é a abertura de horizontes. Implica regras? Sim. A liberdade implica regras. Viver em sociedade de forma anárquica é ir contra a natureza humana que, mais que não seja a partir da dor, tem consciência do bem e do mal. A abertura de horizontes amplia as regras do respeito e da percepção do quanto há tantos preconceitos e estereótipos a eliminar, sobretudo, no modo como se olha para as diferenças na humanidade. Esta noite vou falar a um clã de Escuteiros sobre “espiritualidade no quotidiano e na vida”. Amanhã e domingo, orientarei um retiro a casais. Pediram-me um tema. Dei-lhes este: “Ser casal: ossos dos mesmos ossos, carne da mesma carne… vida da mesma Vida!” É isto: promoção de abertura de horizontes, com reflexão e sentido de serviço na humanização do mundo.

terça-feira, 28 de março de 2017

"Alentejo Prometido"




[Secção leituras] Acabei de ler "Alentejo Prometido" de Henrique Raposo. Aquando da sua publicação, li bastantes críticas ao livro. As boas... e as que chegaram ao ponto de "pedir a cabeça" do autor. Vou conhecendo o seu estilo pelas crónicas no Expresso e Renascença, percebendo que não é amado por muitos que destilam ódio nas caixas de comentários. Sou daqueles que não se fica pela opinião dos outros. Surgem-me as perguntas e, com tempo, tento, se me for possível, fazer o caminho e formular opinião. Um livro que fala do Alentejo, de onde é natural o meu lado materno familiar. Logo, tema que me toca. Li... e começo a perceber onde o autor quer chegar. Há feridas que não se gosta de tocar. As páginas passam e, apesar da dureza, fazem sentido. Sai-se da poesia dos campos primaveris floridos ou dourados de Outono e entra-se no que será o Inverno humano. Não apetece reconhecer de onde vem a dor, mas se não se investiga e afirma ficamos no auto-engano. Talvez o género literário possa sugerir uma projecção da vida do autor, no entanto, é um meio... com o qual eu mesmo poderia colocar outros nomes que conheço. Recordo a minha querida avó Constança falar-me das divisões na Missa: lavradores à frente, sentados em lugares especiais, povo, mulheres sobretudo (ou somente), atrás e de pé. Suicídio, sim, muitas histórias partilhadas. Dificuldades em viver ali, no sol-a-sol da monda ou ceifa, com idas para o Algarve (hotelaria sobretudo) ou sul do Tejo. O livro é duro de real de uma grande parte da população. Talvez esteja em mudança, não conheço para opinar. Mas, das histórias que recebi, o Alentejo de que gosto, humanamente falando, claro, não é dado a muitos romances. Para haver um caminho de cura, de mudança, há que reconhecer o podre, o menos bom, o que não se gostaria de enfrentar. Do que li, mesmo não me identificado com o seu sentimento de não pertença, parece-me uma boa ajuda à Marta e, em especial ao David, a seguirem o caminho da mudança.

Discurso




Foi uma honra discursar para mais de 200 alunos universitários a quem foi atribuída uma bolsa de estudo. Falei do meu sonho de criança, ser veterinário, e das voltas que a vida dá até ser padre (o momento que provocou a reacção de surpresa). Falei-lhes do presente que são e das possibilidades sempre em aberto de mudança do mundo para melhor, com as possibilidades de descobrir rumos novos e abertura de horizontes pelas visitas a sites como UNESCO, Nações Unidas e Comissão Europeia

Apagar fogos...





[Coisas extra-quotidiano na vida de um padre] A última vez que apaguei um fogo físico (os de alma e de relações são muito mais frequentes) foi há 16 anos num refrescamento como comissário de bordo. Hoje voltei ao extintores... numa formação de prevenção. A boa formação na PGA continua bem presente. É caso para dizer "padre on-fire".

domingo, 26 de março de 2017

Rezar com a Dança




“Não esperava que fosse possível chegar tão profundamente a mim através do movimento.” Esta foi um dos “sentires” dito no final de mais um Rezar com a Dança. Desde sexta à noite até hoje ao almoço, 7 pessoas confiaram-se à Maria Luísa Carles e a mim, neste caminho de descoberta de corpo, de dança e de relação com Deus. Por conversas que vou tendo, quando falo desta relação, apercebo-me desde a surpresa aos estereótipos seja sobre a dança, seja sobre o rezar. Enquanto corpo que somos, impressiona-me como ainda se bloqueia ou reduza a dimensão biológica/física, louvando a dimensão intelectual colocando-a no pedestal de supremacia. A maturidade acontece quando as nossas dimensões estão ajustadas e o movimento habitando de consciência autêntica, vulgo dança, permite que tal aconteça. Foi uma feliz coincidência termos vivido o fim-de-semana na solenidade da Anunciação e no domingo da Alegria. Foi bastante intenso. Ainda mais quando se juntou a nós um grupo de partilha sobre a experiências de luto. O corpo em movimento fala muito da pessoa. Exige atenção para ajudar a evoluir nesse encontro com Deus, da dor à alegria. Se estivermos atentos ao nosso corpo, à nossa autenticidade, veremos, tal como o cego de nascença que foi curado (o Evangelho proposto para hoje), a nossa realidade e a de outros com nova luz.

sábado, 25 de março de 2017

Mão em movimento





Neste dia da solenidade da Anunciação, em que oriento, junto com Maria Luísa Carles, um tempo de Rezar com a Dança, 23 segundos de mão que se entrega e reza.

quinta-feira, 23 de março de 2017

Humano




[Secção entardecer de quaresma] O corpo é quem sou. Ou agradeço e caminho à Vida. Ou estagno e sobrevivo às horas. 

Na foto: poema de Adélia Prado.

quarta-feira, 22 de março de 2017

Londres... ou qualquer outro conflito.




Os atentados mais próximos relembram todos os outros distantes. Em conflitos, no final, nunca há vencedores. Todos perdemos. Que a luz consiga atravessar a sombra... que assola a humanidade.

terça-feira, 21 de março de 2017

Dia Mundial da Poesia




Tomasz Tyrka

[Secção entre pensamentos soltos e outros tons] A poesia, falando de oração, tem-se tornado constituinte do meu modo de olhar a vida, o mundo, o ser humano. Fico sempre naquele limbo do inexplicável, que por vezes o silêncio é a melhor resposta. No entanto, deslumbra-me saber que as palavras dão corpo a esse silêncio apenas compreendido por quem sabe parar no caminho e contempla os nadas de fora e o tudo das entranhas. 

Levanta-se o pó,
humedecido com lágrimas  
felizes de paternidade.

Molda-se o coração em escuta
deixando crescer o tempo
de passagem do corvo
até ao ramo de oliveira.

Entrelaçam-se as mãos
de sim misterioso anunciado
em aroma de puro nardo.

E louvando o prémio, mais um justo e merecido, que Maria Teresa Horta ganhou, partilho igualmente um poema, do seu romance “Anunciações” que me faz tanto sentido:

Asas de Poesia

Olhou as suas asas de arcanjo
uma de luto
outra de dia

uma cruel
outra de perda

uma de negrume
outra de meio-dia

E quando Maria
entendeu as palavras
de crivo que lhe eram ditas

começou a criar a sua
identidade própria

a partir da poesia

domingo, 19 de março de 2017

Samaritana





D. Von Schoen

Em dia do pai, Jesus mostra como a paternidade passa pelo reconhecimento da dignidade do outro para além de tudo o que possa ter feito. Como? Pondo a liberdade para além de esquemas mentais, morais e preconceitos religiosos, que se leia, reze, contemple, o encontro d’Ele com a Samaritana. A subtileza das palavras no diálogo desse encontro mostra como acolhe a Mulher que muitos rejeitam (naquele tempo e provavelmente na actualidade), tornando-a discípula e evangelizadora de quem Ele é.

sexta-feira, 17 de março de 2017

Amigos no Senhor






[Secção coisas na vida de um padre] O dia de hoje teve muitas emoções. Há cansaço desta grande Semana, que mexe com tantas pessoas… “P. Paulo, podemos arranjar um tempinho para conversar?” tem sido uma pergunta a surgir com frequência, depois deste ou daquele momento vivido na Semana Inaciana. Parece-me que o melhor mesmo é o agradecimento que sinto pelo grupo do GRAPA. Nestes dias, a disponibilidade que eles tiveram, seja a pendurar um pano, a cortar pegadas em papel, a colocar fios em cruzes num kit, a pôr ketchup em centenas de cachorros, em… “P. Paulo, é preciso mais alguma coisa?”, é impressionante e gratificante. Vamos ser sérios: para quem achar que esta geração está perdida, ou coisas do género, dê um salto até aqui e converse com eles. Vale a pena ser educador. Vale a pena ser professor. Vale a pena ser Amigo no Senhor.

Homenagem...




[FR] Les gens devraient être honorés quand nous pouvons les embrasser. Certaines personnes n'aiment pas ça, ils se sentent malaise de ne pas avoir besoin de montrer qu’ils ont fait bien avec des gestes ou des mots. Mais encore, la vie devrait être pleine d'hommage et des hommages. Chaque « bon jour » devrait être une reconnaissance de l'importance de cette personne sur notre chemin. Denis est parti aujourd'hui, en jour de Saint Patrick. Il illuminera le ciel avec sa joie naturelle de vie. Nous avons habité dans la même communauté pendant les deux années que j’ai étudié à Paris. Nous avons échangé beaucoup d'histoires, beaucoup de sourires, de rires, nous avons dansé, nous avons suivi un couple qui s’a préparé au mariage, nous avons beaucoup parlé de l'éducation, car il savait que j’allais venir à un collège. En deux ans, il était pour moi un maître, dans l'amitié, d’être jésuite, d’être prêtre. Le jour où je pris congé de lui à la sortie de Paris, il m'a dit : « Paulo, n’avais pas peur d'ouvrir des horizons. Notre Dieu ouvre les cœurs. Il ne les ferme pas ». Je crois en la joie avec laquelle Denis est dans les cieux... et c’est avec « saudade » que je pleure le départ d'un grand Compagnon et Ami. « A bien tôt, Denis… en ce jour de ton départ au Ciel, mon dit qu’il y a un nouveau être à arriver en ce monde » 

 [PT] As pessoas devem ser homenageadas quando podemos dar um abraço. Há quem não goste, por sentir o incómodo de não ter necessidade de mostrar que fez o bem, em gestos ou palavras. Mas, ainda assim, as vidas deveriam ser cheias de homenagem e de homenagens. Cada “bom dia” deveria ser um reconhecimento da importância dessa pessoa no nosso caminho. O Denis partiu hoje, em dia de São Patrício. Irá iluminar o céu com a sua natural alegria de Vida. Vivemos na mesma comunidade nos dois anos que estudei em Paris. Trocámos muitas histórias, muitos sorrisos, gargalhadas, dançámos, acompanhámos um casal na preparação para o casamento, falámos muito de pedagogia, desde que soube que vinha para um colégio. Em dois anos foi para mim um mestre, na amizade, no ser jesuíta, no ser padre. No dia em que me despedi dele, na saída de Paris, disse-me: “Paulo, não tenhas medo de abrir horizontes. O nosso Deus é de abrir corações e não de os fechar!” Acredito na alegria com que o Denis está no céu… e é com saudade que choro a partida de um grande Companheiro e Amigo. “A bien tôt, Denis… no dia em que partes, fico a saber que um novo ser vem a caminho!”

quinta-feira, 16 de março de 2017

4 anos de diácono






O cenário é o do quotidiano. Mas, a foto, por se achar piada ao padre a lavar tachos e panelas onde se preparam febras e salsichas, marca a alegria de 4 anos de diácono. Um padre que não vive a diaconia, ou seja, o serviço, nunca será um bom padre.

P.S. - Tenho estado mais desaparecido. Esta semana estamos a viver a Semana Inaciana no Colégio. E absorve muito tempo coordenar todas as actividades. Aliás, a foto é tirada depois de se ter vendido muita bifana e cachorro. ;) 

Na próxima semana, voltarei como de costume. 

sexta-feira, 10 de março de 2017

personagens 3D






[Coisas na vida de um padre] A experimentar programas de reconhecimento facial em 3D. E daqui ainda vai sair uma personagem... outra, já que naturalmente sou uma. 

ternura





Reuters/Brendan McDermid

[Secção outros tons – em paragem no meio da azáfama dos preparativos da Semana Inaciana]

o toque
reveste-se de ternura

segredos sentidos
pela pétala de magnólia

ambos sabemos
dos nomes escritos
na palma da mão

humana e divina

quinta-feira, 9 de março de 2017

Quaresma e liberdade




Romeo Doneza

Houve tempos em que não gostava nada da quaresma. A imagem que rapidamente me vinha ao pensamento era a da penitência e sofrimento. Como padre, apercebo-me que, infelizmente, ainda anda por aí esse modo de viver a quaresma: "quanto mais sofrimento melhor, afinal Jesus sofreu por nós e nós somos uns ingratos." É certo que sofreu. É certo que pode haver ingratidão. No entanto, a quaresma, em toda a sua beleza, leva ao reconhecimento do imenso que somos e que desconhecemos, em especial diante de Deus, que deseja o nosso crescimento pessoal e comunitário. No meio de tanto ruído, exterior e interior, há notas perdidas que não são tocadas na sua harmonia. Por isso, ter tempo para mim, deixando silenciar o coração, faz-me perceber a força do grito ou do simples sussurro a viver com Deus. Ao libertar o que levo atravessado, as mãos desprendem-se e posso servir melhor. O caminho de quaresma, passa pelo silêncio, pelo desprendimento e pela entrega. Ao ler os textos propostos para este tempo, tal como no Advento, vejo a riqueza do que nos é dado rezar. O sofrimento pode fazer parte da vida, mas a Vida é convite de passagem para a alegria da autenticidade.

quarta-feira, 8 de março de 2017

Perspectivas




[Secção outros tons - especial dia da Mulher] Perspectivas... ou oportunidade de ver pormenores na existência do outro, seja de perto ou de longe que ajudam a complementar a vida. É o exercício da abertura de visão e de mentalidade. Flores, é isso, flores e lua em céu azul.

Em dia da Mulher...




Dasha Horita

[Escrito há um ano, mas, infelizmente, ainda muito actual] Há coisas que não são de escrever ou dizer, mas de simplesmente fazer. Neste caso, agir em tudo o que leve à dignidade humana, seja em género feminino ou masculino. Parece-me que tem de haver a complementaridade que dá sentido à evolução humana. No entanto, infelizmente, há que marcar em datas o recordar de que a Mulher não é, nem escrava, nem adorno, nem, como ainda em tanto sítio passa, um ser de segunda ou de terceira. O ponto fundamental: a educação. Educar cada menina, rapariga, mulher a viver o respeito por si própria. Educar cada menino, rapaz, homem a viver o respeito por si próprio. Educar ambos para respeitarem o outro, com igual dignidade, fazendo os possíveis para que todos, em especial as mulheres por serem as que mais sofrem, possam ter educação e os seus direitos respeitados. 

terça-feira, 7 de março de 2017

Mistério e fé e perguntas




[Secção amanhecer de quaresma] Passar a fé de um problema a um sentido de mistério que se aprofunda... e tanto pode ser a fé em Deus, como no ser humano. 

Texto da foto: in Paciência com Deus de Tomás Halík, p.37.

domingo, 5 de março de 2017

Tentação



[Secção outros tons] A tentação faz parte do pó terreno cada dia pisado. Também moldado, ficando com marcas de divino em alento insuflado. A grande tentação que leva à perdição é a do poder que oprime e divide. A escuridão é ultrapassada pelo serviço. E quando se ama, mais luz surge a mostrar caminho de encontro. 

quinta-feira, 2 de março de 2017

Liberdade: coisa divina




Quoc Loc

A liberdade é coisa divina. A sua grandeza reside na capacidade de dirigir-me para a essência do bem. Ponto. As decisões que possa tomar, daquelas que implicam vida, seja numa viragem radical, seja em palavras que escrevo ou profiro, só revelam liberdade quando promovem a liberdade do outro. Daí o divino. Deus quer cada um de nós para si, no amor que ama toda a beleza e toda a imperfeição, sem qualquer sombra de rejeição (em Deus habita Luz). Ao querer-nos para si, quer-nos livres... ao ponto de o podermos rejeitar, de nos podermos rejeitar. A liberdade é coisa divina. Quando a vivemos, sem prisões de emotividades reaccionárias, há sempre crescimento, em especial da dignidade. E a cruz, nossa, que se toma, ganha contornos de "+", permitindo o crescimento da alma para a liberdade.

quarta-feira, 1 de março de 2017

Encontros comigo e com Deus




[Secção outros tons - especial dia de Cinzas] “Rasgai os vossos corações”, ouve-se desde o Profeta Joel neste dia de Cinzas. Terra, barro, pó, caracterizam a nossa existência. O coração rasgado é sinal que perde a pedra ou as pedras que o rodeiam, reconhecendo o limite e o tempo de maior recolhimento. Mais do que penitências desmedidas e negrumes estéreis de sentido, abre-se o tempo privilegiado da escuta terra-a-terra, deixando queimar o que afasta da Vida. Em tempo de escuridão, o coração rasgado permitirá entrar luz, tornando a cinza adubo que fortificará os dons do Espírito. É peregrinação até ao suave amanhecer de Páscoa. 

[Vídeo: Andrés Waksman - proposta: conectar comigo e com Deus - música: Dalur de Ólafur Arnalds & Brasstríó Mosfellsdals]

Regresso




Nestes dias que estive mais comigo, o silêncio marcou presença em dança, em rostos, em histórias e em escuta. Quarta-feira de cinzas, um bom dia para regressar... ao coração que se converte.