domingo, 23 de julho de 2017

Corpo e relação




Migz Nthigah


[Secção pensamentos soltos] Estive a ler o artigo “Cupido 2.0” de Nelson Marques no E, a revista do Expresso, deste sábado. Junta temas que entram na minha linha de interesse sobre o ser humano: corpo e relação. Para quem não leu, tem por base a evolução das aplicações para promover encontros, com forte objectivo sexual. Na linha do post anterior, sem fazer julgamentos demasiado apressados em especial por quem se escandalize mais rapidamente pensando que o “mundo está perdido”, confirma-me a lógica do pêndulo. Durante séculos, reprimiu-se o corpo, colocando tudo o que fosse sexual no âmbito pecaminoso (ainda hoje muitas pessoas vivem dessa forma), sem se olhar e perceber a beleza do ser corpo, em especial na suas dimensões afectiva e sexual. Com o passar do tempo e evoluções tecnológicas dá-se a libertação dessa opressão corporal. O que acontece ao pêndulo quando é largado depois de puxado a um extremo? Segue até ao outro. Neste caso, explorar ao máximo as potencialidades corporais, que são direccionadas, de modo particular, no sexo, cru, sem necessidade de mais. Ora, nem anulação, nem absolutização do corpo. Ao longo do artigo, vai surgindo várias vezes a palavra “ego”: “ajuda o ego”, “estimula o ego”, “satisfaz o ego”. Bem, mais que “ego”, por, infelizmente, ser rapidamente conotado de forma pejorativa, prefiro o termo “self”. Nós somos seres de e em relação. Estas aplicações de encontros são uma forma sofisticada de anúncios já de há anos ainda sem internet: “senhora procura cavalheiro”, “cavalheiro procura senhora”. Se é fugaz ou profunda, há necessidade da relação para dar corpo à identidade. “Quem sou?” De forma geral, alguém corporal, mental e espiritual. As particularidades dependem de inúmeros factores, os quais terão de ser vistos com o cuidado devido para que o “self”, a identidade, única e especial, possa ser respeitada, antes de mais, por mim e pelos outros. O artigo acaba com uma afirmação muito interessante: “Se conhecemos hoje mais pessoas do que nunca e, mesmo assim, não estamos mais satisfeitos, a culpa não será certamente de uma ‘app’ [aplicação].” Correndo o risco de ser redutor, a culpa também tem que ver com o facto de nos conhecermos muito pouco, em especial na riqueza da nossa individualidade, com luzes e sombras. Apercebo-me que cresce a falta de conhecimento da beleza da realidade própria, que conjuga corpo, afecto, intelecto, cultura e espírito, sem entrar em comparações que anulam a unicidade. Parece-me que cada vez cresce mais a necessidade de uma saudável educação para os afectos. Não, não é uma educação para a sexualidade, mas para os afectos. Percebendo aquilo que nos afecta, tal ajuda-nos a crescer, integralmente, em todas as dimensões que compõem o Ser.

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