domingo, 30 de dezembro de 2018

Liberdade e felicidade no caminho de Vida




[Secção pensamentos soltos] Estes dias particulares são dados a retrospectivas e desejos. Em mim, ainda ecoam os efeitos do Natal. Faz-me cada vez mais confusão o modo acelerado com que tudo se vive. Parece que se cumprem dias, momentos, encontros, ao jeito de check-list, e já está, já passou, já foi. Será mesmo? Sim, se se ficar por um cumprimento da realidade sem a saborear, impedindo que a mesma nos abra caminho de crescimento. Nas relações, nos acontecimentos, como na fé, se não se aprofunda, fica tudo numa passagem superficial. Até sou capaz de dizer as palavras bonitas e os gestos “natalícios” e dar muitos presentes. Mas, como dar tempo para prolongar esses efeitos, o sentido do que significa presentear(-me) e ser presenteado? Como dar tempo para torná-los vida para além desta época, em acções que me ajudem a aprofundar o meu Ser de amor ao próximo como a mim mesmo? Não sei o que o próximo ano me reserva. Assim sentia há um ano. No entanto, quando olho para trás sinto muito agradecimento a Deus e a tantas pessoas, em conjunto com a vivência de lutos inesperados. Talvez por isso, este sentimento crescendo de amar a luz e a sombra, aprendendo com tudo. Não é nada fácil. Pelo contrário, é tal a exigência que impele-me a um cada vez maior silêncio para perceber esse Amar tudo. Assim, a olhar para o infinito que tenho diante, quero continuar este caminho de Amar, entre o conhecido e o desconhecido, e assim deixar que a fé vá ficando cada vaz mais do tamanho de um grão de mostarda. E, no que me for permitido, continuar a ajudar as pessoas a serem profundamente livres e felizes nos seus caminhos de Vida. 

P.S - são “pensamentos soltos” sem que sejam ainda os votos de Bom Ano. [Foto: Suzanne Rodrigues]

sábado, 29 de dezembro de 2018

Cabeça de descanso



[Coisas na vida de um padre] A cabeça muitas vezes precisa de descanso, é certo. Mas, de vez em quando ela mesma se torna pouso e sítio de estar/descanso para o Xiribiri. Enfim...

terça-feira, 25 de dezembro de 2018

Viva o Natal




Este ano voltei a celebrar a Missa do dia de Natal no Carmelo de Fátima. Rezei o abecedário e assim trouxe ao coração todos os nomes diante do Menino. Partilho a homilia de ontem da Missa do Galo. Bom, Feliz e/ou Santo Natal a todos os que por aqui nos vamos encontrando. Que a Luz do Menino vos ilumine todas as sombras.


Homilia Noite de Natal 2018

“Natal. E, só pelo facto de o ser, o mundo parece outro. Auroreal e mágico. O homem necessita cada vez mais destas datas sagradas. Para reencontrar a santidade da vida, deixar vir à tona impulsos religiosos profundos, comer e beber ritualmente, dar e receber presentes, sentir que tem família e amigos, e se ver transfigurado nas ruas por onde habitualmente caminha rasteiro. São dias em que estamos em graça, contentes de corpo e lavados de alma, ricos de todos os dons que podem advir de uma comunhão íntima e simultânea com as forças benéficas da terra e do céu. Dons capazes de fazer nascer num estábulo, miraculosamente, sem pai carnal, um Deus de amor e perdão, contra os mais pertinentes argumentos da razão.” Miguel Torga, ‘Diário (1985)”

Recordei este texto de Miguel Torga por estes dias passados de Advento. É uma rápida descrição deste momento de Natal que o mundo celebra. No entanto, para mim, mais do que “o mundo parece outro”, o mundo é outro. Só pode ser outro. 

Ao longo do Advento fomos preparando os caminhos até esta gruta. Os profetas, em textos cheios de ânimo e esperança, foram-nos ora sussurrando ora gritando a certeza da nova Luz que trará paz e sentido a cada uma das nossas vidas. Se estivermos atentos, há desconcerto nas profecias e nos acontecimentos. Aparece Gabriel e a multidão de anjos, em anúncios de vida, mas, sobretudo, de fim de medos e temores. Afinal, neste Menino a criação atinge a plenitude. Explico-me:

No princípio era o caos, diz-nos o Génesis. A primeira palavra de Deus é “Faça-se Luz!” Desde aí, a escuridão dissipa-se diante do poder divino criador. São João, ajustando o Génesis, dirá “no princípio era o Verbo”. Dinamismo criador que nos leva a perceber a importância do movimento para sentir a vida. O nascer da luz, em palavra dita por Deus, ordena a desordem e chega à criação do ser humano à Sua imagem e semelhança. Marcas divinas, diz-nos Ireneu de Lyon, ficam incrustadas em barro moldado. Deus olha a obra suprema da Sua criação e vê que, mais do que boa, é muito boa. Somos nós. Cada um, cada uma, de nós. Por isso, nos juntamos em festa, nessa irmandade de carne que atravessa a nossa história. Em personalidades diferentes, os mesmos átomos, as mesmas moléculas, fazem de nós seres únicos e especiais aos olhos de Deus. 

Mas, algo faltava. Ainda recordando Ireneu, esse barro moldado também ficou nas mãos de Deus. Atrevo-me a imaginar o pensamento divino: “também quero ser parte desta carne.” Inácio de Loiola, nos Exercícios, no início da segunda semana, convida-nos a contemplar a Trindade a observar a Terra. Vê a humanidade, em particular os traços de sombra, entre guerras e injustiças, entre medos e confusões, apercebendo-se de que chegava a altura de enviar o Seu Filho. 
- Estás pronto?, pergunta-lhe. 
- Seja feita a Tua vontade!, responde.
- Viverás tudo. Descobrirás cada emoção, cada toque de pele, cada sentir de silêncio e de alegria. A tua história fará parte da história, onde as dores de cada humano serão as tuas dores, onde as celebrações de vida de cada humano serão as tuas celebrações. O teu nascer será agitado e discreto. Nascerás e morrerás fora. Mostrarás que a tua vida é plenamente dentro da humanidade. Estás pronto?
- Sim, estou. E lá, em cada casa, em cada coração, estão prontos?
- O Espírito rejubila-se com a resposta de Maria: Sim!

Maria, sabemos, é fundamental. A humanidade acede à vinda de Jesus. Esse “sim” foi e pode continuar a ser o nosso “sim”. Permitir que Deus transforme o nosso coração em lugar onde quer habitar. Pergunto: será que me disponho a ser lugar de Deus? Pode tornar-se bonito e poético tudo isto, no entanto é de recordar que os 9 meses até chegar a esta noite foram de total transformação nas vidas de Maria e de José. Acusações de adultério, caras voltadas pela incompreensão de aparente "grávida-de-outro", em conjunto com a firmeza e a confiança de amor um no outro, alicerçados na fé naquele Menino que crescia no ventre, dando Luz, provocando exultações de alegria. Apesar das agitações da incompreensão dos modos de Deus a fazer as coisas, já se cumprem as profecias: o Menino traz Paz. 

Voltando a Miguel Torga, já que toca na passagem do Evangelho de S. Lucas que sempre nos acompanha nesta noite, retenho-me no “estábulo”. A frase do Evangelho é muito curta: “Envolveu-O em panos e deitou-O numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria”. Jesus nasce no silêncio da noite e afastado de todas as pessoas. Maria nem sequer podia ser acompanhada por José. Não era permitido aos homens assistir ao parto. Imagino esse silêncio, depois de toda a agitação vivida ao longo dos nove meses. Maria dá à luz a Luz. A noite torna-se aurora de nova esperança. Mais um passo na profecia: “o povo nas trevas viu uma grande luz”. Esta noite vive-se nova criação. O caos, as trevas, dissipam-se e vive-se a Luz no Menino Deus. O Verbo fez-se carne e habita entre nós. Monta a sua tenda em cada uma das nossas histórias.

Então, o estábulo, a gruta, desde esse dia deixa de ser um lugar lá, em Belém, para poder ser cada um de nós. N’Ele podemos colocar todas as nossas dores, para se tornarem de parto e assim geradoras de vida. N’Ele podemos colocar todas as nossas alegrias, ampliando assim o ânimo a dar uns aos outros. N’Ele podemos celebrar como os pastores o fim do medo, porque a Vida por, com e em Deus tem sempre a última palavra. 


Permitamos, com toda a liberdade que Deus nos dá, que o Menino nasça na nossa Vida. Afinal, Natal é deixar acontecer a vontade de Deus para o Filho, em ser um connosco. Se tal acontece, tudo muda, tudo transforma, o mundo deixa de ser o mesmo. E sim, esta data torna-se sagrada, em especial cada vez que cada um de nós permite nascer a Luz e a Paz nos nossos corações. Para quê? Para que a essa mesma Paz, essa mesma Luz, em sentido de comunhão e Vida possam, de facto, transformar todo o ódio em amor. Esse é dos grandes desafios de Natal nas nossas vidas. Acontecendo isso, divinizamos a humanidade e cantamos, em alegria, com os anjos: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra em toda a humanidade por Ele amada.” Ámen. 

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Em preparação de Natal




[Erri de Luca, “En nombre de la madre”, p. 85]

[Em preparação para a beleza do Nascimento que tudo mudou, que tudo muda]
- Eu desenrasco-me, aqui estarei muito bem. Encontraste um lugar adequado, quente e tranquilo. Eu desenrasco-me, José, sou mulher para isto. Ao amanhecer ponho-te Jesus ao colo.

As dores tinham começado. José colocou um pouco de palha sobre umas pedras secas, estendeu por cima uma manta e peles. Pedi-lhe a faca e uma bacia de água. Deitei-me. O coração latia com mais violência, os latidos ressoavam nas têmporas, como para fechar os olhos. Ninguém à minha volta, o pequeno estábulo estava fora, nos campos. Uma luz caía desde a abertura do tecto de canas e ramos. Era ele, o cometa, posto no céu como um luzeiro. Antes de nos separarmos, passei-lhe a mão pelo cabelo, sorrimo-nos. 

domingo, 23 de dezembro de 2018

¡Gracias, Nacho!




[Breve partilha ante a partida de um Companheiro muito especial e importante na minha história de vida, em geral, e vocacional, em particular] Natal e Páscoa juntam-se. Vives essa fusão, tu que a muitos ajudaste a encontrar a Luz e o Sentido em Deus. ¡Gracias, Nacho, muchas gracias por tu mirada de Vida! Sigue, te pido, ayudándonos a alcanzar la Luz, ahora junto del Señor que tanto has amado.

sábado, 22 de dezembro de 2018

Visitas




[Secção pensamentos soltos, no seguimento das passagens do Evangelho deste tempo de preparação para o Natal] Maria exulta em Magnificat depois das visitas. O Anjo vem até Ela. Ela segue sem demora até Isabel. Êxodos: de Deus e da Humanidade. O exercício de sair é dos mais exigentes. Sair do acessório para o essencial, quero dizer. O grito de humildade, no reconhecimento da beleza de quem se é, implica muitas travessias de montes e vales da história, pessoal e universal, entre silêncio e multidões. É a busca do ajustado, na força da palavra que derruba poderosos e alimenta famintos. Deus torna-se pequeno, muito pequeno, para anunciar o fim dos holocaustos desprovidos de amor. Maria tem consciência dessa nova Verdade. Sente na pele o ser apontada como potencial adúltera, enquanto é protegida pela fé de José. O Filho que leva no ventre dá-lhe a Esperança do Mundo Novo a acontecer, que unirá plenamente céu e terra. Essa Esperança transmite na saída de si, na visita que faz, na certeza de ser habitada pela Palavra que é Justiça e Paz.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Anunciação




[Secção pensamentos soltos] O encontro de Gabriel com Maria reveste-se de solenidade. Não da pomposa, mas da silenciosa. Relendo o evangelho de hoje, a Anunciação, apercebo-me dessa presença do Senhor nas nossas vidas. É certo que a saudação é dirigida em particular a Maria. Contudo, fazendo ponte com a Criação, o ser humano ao receber o alento divino torna-se participante da vida divina. Que significa isto? Nessa anunciação que de algum modo é dirigida a cada pessoa. Dar vida, dar a vida é do mais complexo que há. Não se reduz a um simples altruísmo natalício, mas a cada gesto de quotidiano que se dirige ao outro. Em cada Natal fico a pensar no que significa “nascer de novo”. Serão gestos que aprofundam a autenticidade da existência? Maria, de algum modo, é convidada a abrir os horizontes. Depois do recolhimento do encontro, viverá em constante saída, que, no seu caso, poderia mesmo implicar a fatalidade de perder a vida. A Anunciação, que cada pessoa é chamada a viver, é de abertura de horizontes, de saída de uma aldeia para a universalidade do mundo, que é e será sempre vasto. Daí a solenidade deste encontro, sem pompa, mas com a profunda autenticidade que leva à transformação do que significa humanidade.  

domingo, 16 de dezembro de 2018

Breve Oração




[Breve oração antes de adormecer]

Agradeço-Te 
a Luz que desvela silêncio e a certeza da Tua alegria primeira por cada vida.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Corpo com integrador



Guillem Jové

[Coisas na vida de um padre] “Educar para a razão e a emoção: o corpo como integrador”, foi o meu tema. Depois falou Maria Ángeles Guiteras, com enfoque na psicologia. O debate seguinte foi muito animado, tal como as conversas no final. Há muito interesse nos temas de corpo. Muito mesmo! 

Simpósio Internacional




[Coisas na vida de um padre] Hoje o dia é por aqui, em estreia como orador convidado no Simpósio internacional “Razão e emoção: sociedade, política e religião”, organizado pela Fundação Joan Maragall - Barcelona.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Testemunho para a Câmara Municipal de Portimão




[Coisas na vida de um padre] A Dra. Isilda Gomes, Presidente da Câmara Municipal de Portimão, convidou-me a estar presente na sessão solene comemorativa do Dia da Cidade e a dar um testemunho sobre o voluntariado, em especial, a propósito do incêndio na Serra de Monchique. Foi ontem. Isto de estar quase no pólo oposto do país impossibilitou-me de ir pessoalmente a Portimão. No entanto, enviei um vídeo com o meu testemunho. Como algumas pessoas pediram o acesso ao vídeo, aqui o partilho. 

[Vídeo e edição por Vasco Martins, nosso aluno da OFICINA - Escola Profissional do INA.]

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Natureza



[Secção outros tons] A natureza, em espera de tempo certo, ensina o equilíbrio. Movimenta o silêncio. Abre as cores. Desvela mistério. Sem refúgios, é. Simplesmente é. Aí reside a grande maestria divina. 

"Não basta?"



[Secção boas leituras] Assim, para começar a semana em que terminam as aulas e aumentam as azáfamas natalícias. Almada Negreiros, “A Invenção do Dia Claro”, p. 11.

sábado, 8 de dezembro de 2018

Palmas




[Coisas na vida de um padre] Chegaram registos de momentos felizes. “Palmas, amigos! Palmas! Eles estão casados!”

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Crónica de Henrique Raposo




[Secção "Deus como Tu"] O Henrique Raposo partilhou comigo o esboço desta crónica no dia em que as lágrimas despontaram por vários momentos. Disse-lhe isso. Fico-lhe muito agradecido pela partilha, pela consideração e palavras sobre "Deus como Tu" nesta crónica, que vem na sequência de outra, sobre isto de educar o rapaz, o adolescente, o homem para as lágrimas.

domingo, 2 de dezembro de 2018

Advento




[Secção pensamentos soltos acompanhados de letras verdes] Gosto do Advento. Há um silêncio próprio que se impõe: o da espera, permitindo preparar o coração para o encontro que um dia iluminará todas as relações. A espera de Advento amplia-se em esperança. Em dias de luto, onde é necessário dar tempo à transformação da relação, deixo ecoar a vida no coração. E agradecemos muito, os meus pais e eu, os abraços recebidos envoltos de luz.

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Breve oração em dia de partida para o Pai






[Breve oração em dia de partida para o Pai da minha avó Teresa]

Agradeço-Te
os laços de campo e de horas esculpidas nas mãos que cultivaram sementes em terra fértil
e amassaram pão também adocicado em folar de Páscoa

a mesma hoje vivida.

Peço-Te
acolhe-a no regaço em mimos de Luz,
dando-nos Esperança na certeza da Vida.

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Animação em baptismo.




[Coisas na vida de um padre] Chegam boas recordações de dias felizes. Estava a dar a bênção à família. Elevo a mão e o Frederico com a maior naturalidade deu “cá mais cinco”. Gargalhada geral! O baptismo é Vida e Vida aconteceu.

domingo, 25 de novembro de 2018

Dia Internacional para a Eliminação da Violência da Mulher




Li Hoang Long

[Secção pensamentos soltos em memórias] A propósito deste Dia Internacional para a Eliminação da Violência da Mulher, recordei este episódio vivido há uns anos. 

Dava mais um dos meus passeios. Encontrei a D. Maria [nome fictício]. “Olá, está boa? Já há algum tempo que não a vejo pela Missa.” “Sabe como é sr. padre, a vida… a vida…” Reparei que tinha uma mancha estranha perto do olho. Apercebeu-se do meu olhar e prontificou-se, antes que fizesse qualquer pergunta: “tropecei em casa e bati no móvel.” Nestes dias tenho andado mais sensível e emocionei-me. Saiu-me: “D. Maria, posso dar-lhe um abraço?” Ela percebeu que eu percebi que não tinha sido móvel nenhum, mas uma mão. Não sei se fechada. Não sei se aberta. Mas foi uma mão que lhe fez aquela mancha. Aceitou o abraço e chorou. Chorámos. “Tem tempo, sr. padre?” Como não havia de ter? E conversámos. Muita dor foi partilhada.


Infelizmente este Dia. Infelizmente por ainda haver: mulheres assassinadas; silêncios cúmplices que não entendem que há situações em que, sim, “entre marido e mulher somos obrigados legal e moralmente a pôr a colher”, isto por um lado, já que por outro, ainda há gente que comenta e condena a vida alheia, em especial de mulheres que, apesar do medo, vergonha, dor, decidem pôr um basta a relações amargas, com perigo de vida. A sociedade pode não mudar totalmente com alertas de “Dias”, mas é bom ter consciência que muitas vezes acontece ao nosso lado e de que há sempre algo a fazer para acabar com a violência.

sábado, 24 de novembro de 2018

Padrões




[Secção pensamentos soltos] Os padrões são repetições de feitios em cores ou acontecimentos de vida. São algumas as vezes que, no exame de consciência, na reflexão e oração, apercebo-me de repetir o modo de funcionar em determinadas relações. Ido ao fundo disso, com toda a verdade que me é possível, vejo o que possa estar desajustado, levando-me à aprendizagem inicial de como reagi diante de algo, em geral não muito simpático. Os padrões têm o seu quê de cíclico, normalmente provocados por auto-enganos. Podem ser interrompidos quando se dá nome à realidade. Esse dar nome é temeroso, obrigando-nos, em reverência, a descalçar em terra sagrada que somos. Leva-nos ao momento inicial da criação quando Deus diz ao primeiro humano que nomeie o que o circunda. Ou seja, é doloroso por termos de atravessar o divino em nós e isso significa atravessar também a sombra, com todos os medos, vergonhas, maus silêncios, frustrações, resignações. Dar nome a isso tudo, com o respeito pelo tempo próprio, é romper com a repetição desajustada. Dando nome, torna-se conhecido. Começamos assim a ser nós a controlar. Aos poucos, faz-se um retalho de memórias curadas e o padrão ganha tons de compaixão.


quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Breve oração




[Breve oração em final de entardecer]

Agradeço-Te 
a revelação em cada acontecimento,
entre chuva e sol,
que me permite desvelar
o amor.

Peço-Te
visão de beleza e luz

focada no todo.

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Congresso de Parentalidade Consciente






Sérgio Rito


[Coisas na vida de um padre] No passado sábado, fui um dos oradores do Congresso  de Parentalidade Consciente, que teve “Educação para a sustentabilidade social” como tema de fundo. Fechar um Congresso é um misto de honra e de responsabilidade. Depois de um dia inteiro de boas apresentações, tentar dar sentido a tudo, ainda que a apresentação tenha ela mesma o seu sentido próprio, foi graças ao apropriar do que foi dito. Do parto, ao sono, passando pela integração,  complexidade e educação, houve unidade nesse desejo de despertar para a sustentabilidade. Não é demais voltar a agradecer à Mia (www.mikaelaoven.com) pela confiança e convite. Haja colaboração no caminho de humanização. Parabéns a todos os oradores e organizadores. Também a quem participou, afinal haverá o contributo de 4400€ para Associação “Um Pequeno Gesto”. 

domingo, 18 de novembro de 2018

Juízos finais




Abigail Fahey


[Secção pensamentos soltos] O final dos tempos, a hora, o momento, só o Pai é que sabe. Isto recorda-nos Marcos no Evangelho de hoje. Ao rezar o texto, saindo da primeira sensação que possa ter sido incutida de “medo-do-fim-do-mundo-ao-modo-cinematográfico”, apercebi-me das muitas horas finais que passei. Tempos de passagem, de embates de limite, com medos, sim, muitos. A visão muito mitológica de juízo final, com as imagens de destruição, podem impedir o caminho de descoberta de Deus que é Pai com entranhas maternais, na profundidade de amor por cada um de nós. Por outras palavras, Deus que salva e não deus que condena. Afinal, envia Miguel, o chefe dos anjos. Mika-El: aquele que protege, que defende. Essa é a base da relação com Deus: a salvação. Significa isto uma desculpabilização dos maus actos, atitudes, comportamentos, em especial os que advém de jogos de poder? De modo algum. Pelo contrário, deve despertar a noção de responsabilidade, em que cada pessoa possa desbravar o caminho do seu coração e remover o que está petrificado e podre, impedindo o respeito pelo próximo. Essa é a hora da conversão. Este processo por vezes necessita de choque, de abalo tal que leve a questionar até mesmo a existência de Deus. No fundo, os tempos finais, apocalípticos, devem apontar à remoção de todos os ídolos, de tudo o que impeça a visão e escuta de quem Ama totalmente ao ponto de entregar o Filho como final de todos os sacrifícios. O juízo final, esse último, acontece cada vez que decidimos seriamente amar mais. Aí somos obrigados a novo nascimento, em saída de nós mesmos em direcção a quem sofre, a quem precisa, aproximando-nos mais da essência divina.

Parar




[Secção pensamentos soltos] Parar. É um verbo. Sabemos que os verbos falam de acção, de dinamismo, de movimento. Então, o verbo “parar” pode ser um paradoxo vivificador. O acto de paragem, incomodativo em meios que fazem igualar humanidade a produtividade, torna-se revolucionário. Paro ante o exterior e permito que seja o interior a movimentar-se pelos meandros da minha história, cheia de emoções, sentimentos, perguntas e respostas, desvelando a beleza da existência. A revolução dá-se ou de rompante, ou de passos suaves, pela descoberta do imenso que sou e vivo. Diminuir a velocidade da vida, dando-me tempo para escutar e ver é exigente. “Nãos” têm de ser ditos, em nome de um sim maior ao acto de presença. Também e, a meu ver, principalmente, diante de Deus. Há medo de parar. Afinal, há o fantasma de “parar é morrer”. Mas, e se eliminássemos o fantasma e permitíssemos a morte desse medo? É certo que parar é morrer para algo. Mas necessário para uma Vida com mais sentido. Parar para pensar, rezar ou simplesmente estar… sem mais, na atitude de quem sabe contemplar e agradecer. E na paragem, nesse silêncio que vai diminuindo ruídos, percebemos o que realmente importa: amar(-se). Outro verbo (difícil, sim!). Agora, em dinamismo exterior de gestos concretos na direcção do próximo. 

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Breve oração




[Breve oração antes de adormecer]

Agradeço-Te
a luz que atravessa os caminhos sombrios, 
entre perguntas e respostas,

no silêncio do novo amanhecer.

domingo, 11 de novembro de 2018

Boas recordações



[Coisas na vida de um padre] Chegam boas recordações de dias felizes. Escolher quem leva as alianças é de responsabilidade. Há que estar ao nível desse grande momento.

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Pessoa. Simplesmente.




Thomson Reuters

[Coisas na vida de um padre]
Seguia pela rua fora. Chovia e abriguei-me num toldo. Apanhei um pedaço da conversa de duas senhoras em cigarro a meio da manhã. 
- … engenheiro, doutor ou professor. Sério, não sei o que ele é.
Sorri, não me contive e disse: 
- Pessoa. Imagino que seja uma pessoa como cada um de nós. 
Rimos os três. Dando os bons dias, seguimos nas nossas vidas.

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Boas recordações



SL Casamentos

[Coisas na vida de um padre] Chegam boas recordações de um dia feliz. Não me recordo o que estaria a dizer. Seja como for, como se nota, houve animação abençoada!

sábado, 3 de novembro de 2018

Breve oração




[Breve oração antes de adormecer]

Agradeço-Te 
a laranja que saboreei e a rosa que contemplei. Recordaram-me que não sei o que é fome, permitindo-me vislumbrar beleza. 

Peço-Te:

Afasta de mim toda a sede de poder.

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Em dia de Todos os Santos



[Secção pensamentos soltos em dia de Todos os Santos] Este, para mim, é um dia de memórias e de sonhos. Também do presente, no seu sentido de extraordinário quotidiano. Memória de histórias vividas por homens e mulheres, uns oficialmente canonizados outros oficiosamente no coração de cada um de nós, que buscaram a autenticidade de si mesmos em relação com Deus. No gesto e na oração, abraçaram o melhor do cuidado do amor. Mesmo sem quererem, tornam-se exemplo ou inspiração, não a imitar mas a desvelar o melhor de nós. Daí, dia de sonhos. Possibilidade de abertura ao desejo de transformação ou conversão, onde os véus do que nos impede a luz do caminho, verdade e vida vão-se rasgando e caindo, permitindo ver o sentido de uma entrega maior. Não se trata de busca de perfeição desumana, mas de corpo vivo que se vai ajustando à realidade concreta: pessoal e social. O corpo ajustado não se acomoda. O corpo ajustado integra a comunidade de quem quer viver a plenitude do amor. Por vezes, gostaria que isto acontecesse num ápice. Mas, é preciso tempo e silêncio para perceber que tal acontece muitas vezes na subtileza diária, no modo como falo, dou atenção, vejo, escuto, ensino, celebro, escrevo, leio, reconheço a luz e a sombra, amo, vivo. A transformação total é coisa de filmes de heróis. A conversão à santidade é algo de quotidiano. Com passos extraordinários, certo, mas de quotidiano, onde o reconhecer do que é importante e absoluto não reside em coisas, mas na beleza da autenticidade dos pequenos gestos de amor comigo e com os outros. Isso pode ser difícil, mas não impossível. Em dia de Todos os Santos, dependendo da vida que cada um ou cada uma possa estar a passar, haja Luz de Deus no amanhecer, no entardecer e no anoitecer... permitindo o nascimento de algo novo.

terça-feira, 30 de outubro de 2018

Memórias doridas e tempo



Ramiro Torrents

[Secção conversas de corpo e alma] 
- P. Paulo, não quero recordar tanta coisa. Custa muito.
- Mas as memórias, sem que as controle, surgem, despontam.
- Sim, sim, muito. Eu tento distrair-me, buscar outras coisas, mas… elas voltam por vezes com ainda mais força. Como é que posso evitar que isso aconteça? Não quero, foi tudo tão duro.
- Pois, é mesmo atravessar essas recordações, sem as julgar, porque foram o que foram. É assim que evita com elas despontem de forma indesejada. Dando o passo, com respeito, ao seu tempo, sem se violentar, de ir olhando para cada momento. As feridas curam-se tratando com cuidado, muito cuidado. Não se curam a esconder. É certo que escondidas vão dar sinal, com a dor da presença. E se não dermos atenção, pode infectar e vai doer muito mais. Se olharmos para a ferida, com carinho e respeito e aos poucos começarmos a cuidar a dor do mal vai-se transformando aos poucos em dor de cura, até deixar de doer e tornar-se uma memória curada. 
- Ouço-o falar e parece fácil. 
- O caminho, em si, é fácil e simples. Mas fazê-lo é muito atribulado. É preciso tempo e a companhia adequada, que saiba encaminhar, sem julgamento e com sabedoria na escuta. 
- Preciso de tempo. 

- Tome-o, antes de mais, com carinho e respeito por si e por tudo o que viveu.